Political Violence Spreads in the United States and Europe*

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Esta segunda-feira, as autoridades alemãs anunciaram a detenção de cinco pessoas suspeitas de planearem raptar o ministro da Saúde e iniciar uma guerra civil para instaurar um Governo de extrema-direita. É o terceiro caso semelhante em poucos meses: aconteceu em abril e em dezembro, quando 25 cidadãos foram detidos por planearem um golpe de Estado.

Quatro dias antes desse episódio, a 3 de dezembro, mais de 45 mil habitantes do condado de Moore, no estado norte-americano da Carolina do Norte, ficaram sem eletricidade: duas subestações de energia tinham sido atacadas a tiro. Foi decretado o estado de emergência, escolas e lojas fecharam durante vários dias e os hospitais tiveram de utilizar geradores para continuar a funcionar. Só até agosto de 2022, os Estados Unidos viveram mais de 100 incidentes semelhantes, o maior número dos últimos dez anos.

Estes casos exemplificam o crescimento da violência política por grupos extremistas em todo o mundo ocidental. É provável que a situação se agrave no futuro, alertam especialistas ouvidos pelo Expresso. “Os movimentos de extrema-direita têm adquirido um carácter mais violento e internacional nos últimos anos”, diz Cátia Moreira Carvalho, especialista em radicalismo na Universidade do Porto.

AVISOS NÃO FALTARAM

As autoridades dos Estados Unidos conhecem há muito a ameaça. Em 2020, um tutorial de 14 páginas a explicar como atacar infraestruturas críticas circulou em canais de supremacistas brancos no Telegram: “Quando a luz não voltar… o caos vai soltar-se, criando condições para a nossa raça recuperar o que é nosso”, prometiam os autores. Poucos dias antes de Duke ficar às escuras, o Departamento de Segurança Interna avisou para a iminência de ataques de movimentos de extrema-direita que participaram na invasão do Capitólio em 2021. “Alvos potenciais incluem espaços públicos, igrejas, a comunidade LGBTQI+, escolas, minorias étnicas e religiosas, instalações do Governo e infraestruturas críticas.”

É 68% mais provável indivíduos de extrema-direita levarem a cabo ações políticas violentas do que o façam adeptos da extrema-esquerda

Moreira Carvalho destaca dois fatores que explicam o crescimento da violência política à direita: a eleição de Donald Trump em 2016 e a influência das redes sociais. A isto juntaram-se teorias da conspiração ligadas à covid-19, que deram a estes movimentos um “sentido de urgência” e uma perceção de apoio popular que não existia antes de 2020, sublinha Maximilian Ruf, membro da Radicalisation Awareness Network (RAN), grupo de peritos europeus.

Nos Estados Unidos, grupos de extrema-direita usaram o Telegram para incentivar pessoas com covid-19 a contagiarem agentes da autoridade, negros e judeus. Como? “Espalhando saliva nas maçanetas de escritórios do FBI e de sinagogas.”

Segundo os últimos dados da Europol, o número de pessoas detidas na Europa por suspeitas de terrorismo ligado à extrema-direita aumenta há três anos consecutivos. E 2021 foram 64. Só na Alemanha, nesse ano, o número de crimes com motivações políticas foi o mais alto de sempre, 23% acima do ano anterior. “Embora estes valores já sejam elevados, as estatísticas oficiais tendem a subestimar o número real de crimes políticos no que toca à extrema-direita”, sublinha Ruf.

A guerra também contribuiu para o problema: “O conflito entre a Rússia e a Ucrânia está a ajudar estes grupos a criarem ligações transnacionais e a construírem competências estratégicas e militares”, aponta Christina Schori Liang, especialista no Geneva Centre for Security Policy, um think tank especializado em segurança internacional.

“Apesar de a Administração Biden ter um programa de contraterrorismo mais sério que o do seu antecessor, a violência continua inabalável”, diz Jacob Ware, investigador no Council on Foreign Relations, sediado em Nova Iorque. O especialista acredita que os países europeus estão a fazer um trabalho de prevenção melhor, mas lembra que as narrativas que influenciam estes ataques — como a “teoria da grande substituição”, que sugere que há uma conspiração para substituir os brancos por minorias étnicas — atravessam continentes.

JOGO DA IMITAÇÃO

“Independentemente de o ataque ser em Buffalo ou Bratislava, a ideologia é a mesma”, diz, referindo-se a um crime de ódio cometido em outubro na capital da Eslováquia. Duas pessoas LBGTQI+ foram assassinadas por um homem que horas antes publicara online um manifesto racista e antissemita. “O historial de movimentos antigoverno nos Estados Unidos torna mais prováveis incidentes como o do Capitólio. Essas dinâmicas antissistema estão a ser exportadas para países aliados como a Alemanha ou o Brasil”, acrescenta Ware, lembrando o ataque ao Palácio dos Três Poderes em Brasília, a 8 deste mês. Após a derrota eleitoral, a campanha de Jair Bolsonaro recebeu conselhos de Steve Bannon, ex-assessor de Trump, que alimentou a narrativa de fraude nas urnas, como fizera aquando da vitória de Biden. Bannon chamou aos invasores da capital brasileira “guerreiros da liberdade”.

Um estudo publicado em maio na revista da Academia de Ciências dos EUA analisou milhares de ações políticas radicais nas últimas décadas, ali e na Europa, separando-os por ideologia. Primeira conclusão: é 68% mais provável que indivíduos de extrema-direita levem a cabo ações políticas violentas do que o façam adeptos da extrema-esquerda (de movimentos anarquistas, por exemplo). Além disso, o grau de violência dos grupos radicais de direita nos Estados Unidos é equivalente à violência exercida por grupos radicais islâmicos.

Apesar destes resultados, Ware não descarta um crescimento da violência à esquerda nos próximos anos. Em junho de 2017, um ativista de extrema-esquerda feriu a tiro seis pessoas durante o jogo anual de basebol do Congresso em Alexandria, Virginia. Entre as vítimas estava Steve Scalise, à época líder republicano na Câmara dos Representantes. Já no ano passado, o juiz conservador Brett Kavanaugh, do Supremo Tribunal, foi alvo de tentativa de assassínio. “O perigo existe e devemos estar preparados”, finaliza Ware.

Anders Ravik Jupskås, vice-diretor do Centro de Investigação de Extremismo, na Universidade de Oslo, regista passos positivos para travar a violência, mas alerta que o trabalho está no início. “Os governos europeus parecem muito mais cientes da ameaça do que há poucos anos. No entanto, o principal desafio das democracias continua a ser encontrar formas de lidar com os partidos de extrema-direita e os políticos que estão a desmantelar aos poucos a democracia.”

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