Foi a primeira hipótese que me passou pela cabeça no sábado: nos EUA, as milícias trumpistas (ou pior) vão ter ideias, vão tentar imitar a coluna do Wagner; não num ataque ao Capitólio em DC, mas num ataque aos capitólios de Estados da América profunda. Nem é uma hipótese muito arriscada.
Esses grupos já existem; são milícias armadas até aos dentes e estão espalhadas por diferentes Estados da união. Alguns foram agora condenados pela sua participação direta ou indireta no ataque ao Capitólio em janeiro de 21 – um ensaio para algo mais poderoso. Alguns foram condenados, mas há mais, muitos mais, e têm o armamento de um pequeno exército; pensam que o regime federal nos EUA é ilegítimo, que Biden é um ladrão e estão disponíveis para usar a força das milícias numa reencarnação truncada de 1776. Repito: mais de 20 milhões de americanos acham legítimo o uso da força contra o poder federal de Biden.
Uma guerra civil, repito, não é algo que acontece apenas na Rússia. No coração do Ocidente, na América profunda longe das costas, milhares de homens em tudo idênticos aos Wagner no pensamento e na ação armada estão apenas à espera do gatilho certo para lançarem um caos à Putin. Em alguns Estados da união, estas milícias podem facilmente juntar alguns milhares de homens numa coluna armada em direção a locais de poder estadual com o objetivo de lançar de novo a semente da secessão e da confederação, esse sonho nunca enterrado completamente.
Isto é ainda mais verossímil porque boa parte da população está com eles. Muitos destes homens são ex-veteranos que não conseguem ter uma vida civil normal, e acabam por perder qualquer vínculo familiar e social. Só têm isto, este vínculo à caserna, seja ela qual for.
Tal como os líderes russos que idolatram, Putin e Prigozhin, estas milícias trumpistas (ou pior) nunca conseguirão o seu sonho – uma nova Confederação sulista é tão quimérica como um império pan-eslavo–, mas têm os meios e a vontade para impor o caos durante muito tempo naqueles Estados longínquos que têm menos gente do que Portugal – e só há nove Estados dos EUA com mais gente do que Portugal.
É incrível como a população americana está concentrada nas costas leste, sul (Texas) e oeste. Toda a América profunda tem Estados muito maiores do que Portugal na geografia mas com muito menos gente – o espaço ideal para a guerrilha. Neste sentido, a emergência de algo parecido ao Grupo Wagner nos EUA nem sequer é uma surpresa, é uma continuação de uma tradição americana.
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