The Worst Is Yet To Come*

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Se a Rússia tem a esperança média de vida dos países mais pobres de África, a América tem os mortos provocadas por arma de um estado falhado e violento como a Venezuela, O Iémen ou partes do Brasil. Ironicamente, os EUA têm mais mortos por arma de fogo do que a Palestina, a Somália ou o Iraque

Claro que a fragmentação russa é importante, seria idiota negar a importância da guerra na Ucrânia e a demonstração de fraqueza da Rússia, uma sociedade em acelarada queda livre, desde os indicadores demográficos até à capacidade militar. A esperança média de vida de um russo em casa (não no campo de batalha) está ao nível dos piores países africanos (64 anos), quase duas décadas inteiras atrás dos países mais desenvolvidos. É uma sociedade pobre por dentro. Só que esta podridão também afeta um grande império do nosso lado, os EUA. E a fragmentação americana é potencialmente mais grave do que a russa, porque estamos a falar do coração do Ocidente e da ordem internacional.

Dou-vos um exemplo. Em 2000, a disputa eleitoral Gore vs. Bush foi decidida nos tribunais. Tivemos disputas acaloradas, mas no final aceitou-se a decisão do tribunal, porque é essa a regra do jogo. Conseguem imaginar um Gore vs. Bush neste contexto do pós-verdade, neste contexto em que a América trumpista vive literalmente à margem das regras, da lei, da ciência, dos factos, da república? Um tribunal federal é visto como ilegítimo por esta parte da América cada vez mais refugiada nas autoridades estaduais – a lógica dos confederados da guerra civil.

Na verdade, se tivermos em 2024 uma disputa eleitoral tão quente como a de 2000, eu consigo imaginar uma América a descer até à guerra civil com a multiplicação dos assaltos aos mais diversos capitólios ao longo da União; consigo imaginar o espírito da rebelião confederada a correr de novo através das inúmeras milícias armadas até aos dentes; armadas com metralhadoras e com teorias da conspiração, que muitas vezes fazem mesmo lembrar as piores teorias dos nazis, é a mesma alucinação e fuga da realidade.

Sim, a eleição americana de 2024 tem o potencial para fragmentar e afundar os EUA por um largo período de tempo. Não creio que a secessão seja possível, mas creio que um largo período de terrorismo interno é inevitável, um pouco à imagem dos Jesse James da vida. Aliás, quando olhamos para os ataques a tiro permanentes nos EUA, já não é disso que estamos a falar?

Se a Rússia tem a esperança média de vida dos países mais pobres de África, a América tem os mortos provocadas por arma de um Estado falhado e violento como a Venezuela, o Iémen ou partes do Brasil. Ironicamente, os EUA têm mais mortos por arma de fogo do que a Palestina, a Somália ou o Iraque.

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