International Decentralization

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Esta coluna é normalmente escrita a partir de Angra do Heroísmo, no arquipélago dos Açores, em pleno Atlântico. Esta geografia tem vantagens para analisar a política internacional e suficiente distanciamento em relação aos factos e intervenientes.

Nas últimas duas semanas, uma série de factos sugere que estamos numa época em que a ordem internacional poderá ser bastante mais descentralizada do que a vivida durante a Guerra Fria 1947-91 e os 30 anos que se seguiram ao colapso da URSS. Neste último período, a superioridade dos EUA foi clara.

O primeiro facto foi o encontro em Camp David dos líderes dos EUA, Japão e Coreia do Sul, que ali chegaram a acordo sobre uma aliança estratégica que poderá ser institucionalizada nos próximos anos. Do ponto de vista da Administração Biden, foi uma importante vitória diplomática. Durante décadas, a herança do colonialismo japonês na Coreia do Sul e a violência dos soldados japoneses sobre as mulheres sul-coreanas durante a II Guerra Mundial impediu a cooperação estratégica entre Seul e Tóquio.

A China, todavia, conseguiu o feito histórico de aproximar as duas capitais, criando condições para esta nova aliança trilateral no Pacífico. Como Michael J. Green chama a atenção no seu recente livro “Line of Advantage”, praticamente toda a atual conceção estratégica dos EUA sobre a China foi desenvolvida na capital japonesa. Shinzo Abe, ex-primeiro-ministro japonês assassinado no ano passado, foi o arquiteto intelectual de uma visão para a ordem regional no Pacífico e no Índico. Tóquio agregou interesses e isso é particularmente relevante para Washington.

A China conseguiu o feito histórico de aproximar Seul e Tóquio, criando condições para uma nova aliança com os EUA no Pacífico

O segundo facto é a cimeira dos BRICS, que decorreu esta semana na África do Sul. Para Pequim, esta instituição é peça importante para ir construindo uma ordem internacional por si dominada e exportar o seu modelo político autocrático. Tal não é do interesse da Índia, Rússia e Brasil. O mesmo se passa com as capitais que gostariam de ser membros deste grupo. Por um lado, receiam a crescente ambição de uma China liderada por Xi Jinping, mas as novas rotas comerciais entre o Golfo Pérsico, África e a Ásia que favorecem os seus interesses são uma grande oportunidade. Acresce o investimento direto chinês nos seus países ou os empréstimos de Pequim sem as condições políticas de Washington.

Todos estes países tendem a achar que os EUA continuarão a ser o país mais poderoso do mundo no final da década, mas temem a sua hegemonia financeira e imprevisibilidade como aliado ou parceiro científico, económico e militar. A sua aproximação à China é forma de acelerar o seu processo de desenvolvimento interno e, ao mesmo tempo, tentar descentralizar a política internacional. Esperam que tudo isto lhes dê mais margem de manobra para defender os seus interesses e evitar escolher entre os EUA, que consideram uma potência hipócrita, e a China.

Washington e Pequim gostariam de agir numa época dominada pela centralização. Todavia, a sua rivalidade dá às médias potências a possibilidade de tentarem construir alternativas às instituições internacionais existentes.

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