Os resultados do Iowa confirmaram as suspeitas generalizadas: Donald Trump terá um passeio no parque até à investidura republicana na Convenção de julho, no Wisconsin.
Não foi surpresa: desta vez, nem sequer dá para fazer pouco das sondagens – no essencial, acertaram. Trump venceu com 30 pontos percentuais de vantagem sobre o segundo, que foi Ron DeSantis, com Nikki Haley muito perto do desempenho do governador da Florida.
É certo que ainda foi só o estado de arranque, para mais em formato caucus – a verdadeira primária em votação tradicional será na próxima terça-feira, no New Hampshire. Mas o Iowa tirou dúvidas (para quem ainda as tinha): a maioria do Partido Republicano rendeu-se, em definitivo, a Donald Trump. E manteve-se rendida, mesmo depois de tudo o que aconteceu na Administração 2017-2021 e, sobretudo, depois do que aconteceu a 6 de janeiro de 2021.
Exit polls realizadas nas horas seguintes ao caucus republicano apontam para que dois terços de quem foi votar no Iowa continua a acreditar que foi Donald Trump e não Joe Biden a vencer a eleição presidencial de 2020. Ora, se somarmos os 51% de votantes Trump e os 21% de votantes DeSantis, então compreendemos a manifesta impossibilidade da tarefa de Nikki Haley (que ainda assim atingiu 19%).
É o novo anormal de um dos partidos cruciais do bipartidarismo da política norte-americana: em vez de afastar quem colocou a democracia dos EUA em risco, consagra-o como uma espécie de deus intocável, que não se questiona, muito menos se derrota.
Há republicanos que desejavam um caminho mais racional e institucional? Claro que sim.
E nem são assim tão poucos: um terço, à volta disso (um pouco menos talvez). O problema é que não são suficientes para fazer o Partido Republicano voltar a um rumo mais democrático e responsável.
Se o GOP (Grand Old Party) estivesse a atravessar um período saudável e democraticamente robusto, Nikki Haley seria a nomeada presidencial para 2024: pela competência revelada nos debates, pela coragem em apelar a uma “nova geração conservadora”, pela lucidez em exortar à base republicana: “Querem mais do mesmo? Querem insistir nos mesmos que levaram os EUA a uma espiral de casos, queixas e quezílias? Querem voltar a ter Biden, mas também Trump? Ambos consumidos pelo passado, sem visão de futuro?”
Palavras sábias, perguntas pertinentes. Mas sem destino feliz. Uma clara maioria dos republicanos não vê no caminho de Haley a decisão correta a tomar. E é por isso que Donald Trump se prepara para obter, pela terceira vez seguida, a nomeação presidencial republicana.
Trump e os evangélicos
Em 2016, Donald Trump arrancou para a sua nomeação na altura improvável com um segundo lugar no Iowa – bem atrás de Ted Cruz, que recolhia a preferência dos evangélicos. Trump obteria, nesse momento, apenas 21% do voto evangélico – desta vez foi diferente: Donald obteve 53% desse segmento.
Está visto: o voto religioso, em 2016, ainda olhou para alguém como Trump com desconfiança e até alguma censura. Mas os evangélicos estão definitivamente rendidos ao movimento MAGA e veem em Donald uma espécie de eleito por Deus para os representar. Bem-vindos à América profunda.
Que não haja equívocos: a hegemonia Trump no Partido Republicano é, hoje, transversal: atinge homens, mulheres, velhos, novos – e até abrange os evangélicos.
DeSantis respira um pouco
Chegou ao Iowa com as sombras de uma campanha dececionante e do risco de desistência.
O segundo lugar conferiu-lhe algum oxigénio para respirar, mas talvez só dê para chegar ao New Hampshire (onde está muito atrás de Nikki). Festejou o resultado com uma declaração risível: “Serei o próximo presidente.”
Depois das intercalares de 2022, lançado por enorme vitória na Florida, Ron DeSantis parecia ser o favorito à nomeação presidencial para 2024. Nem metade dos votos de Trump conseguiu no primeiro teste.
Falta saber se DeSantis vai querer levar até ao fim a sua missão impossível de ganhar a Trump disputando o eleitorado Trump ou se o seu verdadeiro objetivo é colocar-se como herdeiro dessa base para 2028 – quem sabe se num duelo com Nikki Haley, representante da ala mais clássica e moderada (mas, daqui a quatro anos, já sem Trump).
Nikki põe as fichas todas no New Hampshire
Os 19% de Nikki Haley teriam sido fantásticos no início da campanha – a ex-governadora da Carolina do Sul partiu com 2% ou 3%. Mas o seu bom desempenho nos debates – e a desistência recente de Chris Christie – tinha despertado alguma expectativa quanto a um possível segundo lugar no Iowa. Não aconteceu. Mesmo assim, ficou a apenas dois pontos percentuais de DeSantis (algo que não se julgava realizável há dois ou três meses).
A hora da verdade para Nikki será na próxima semana, dia 23, no New Hampshire, estado com um tipo de eleitorado que a favorece. Será possível que lute pelo primeiro lugar na disputa da próxima semana? No mínimo, terá que recuperar a dinâmica positiva com que chegou ao Iowa.
O problema para Haley é que na Carolina do Sul (a terceira grande corrida, a 24 de fevereiro, duas semanas depois do caucus do Nevada) Trump tem mais de 20 pontos de vantagem – sim, isso mesmo: no estado que Nikki governou com grande popularidade durante seis anos, é Donald que lidera largamente. O padrão muito conservador e tradicionalista dos eleitores da Carolina do Sul assim o determina – pelo menos para já.
E para a eleição geral?
Tomemos como praticamente certo, então, o cenário de uma repetição de um duelo Biden vs Trump na eleição geral.
Quem ganha?
A resposta mais utilizada por estes dias é: “Donald Trump.” Mas há quatro anos, por esta altura, também era – e depois ganhou Joe Biden. A verdade é que ninguém poderá saber verdadeiramente. 2024 é o ano de todos os perigos e de todas as indefinições.
Joe Biden tem problemas mais fáceis de enunciar: idade avançada, desconfiança que isso desperta em muitos setores, falta de entusiasmo da sua base, baixa aprovação presidencial. E, claro, as difíceis decisões que terá que tomar quanto ao apoio americano nas duas guerras (Ucrânia e Israel/Gaza).
O grande risco para Biden é o de conhecer um certo destino trágico, no que às guerras diz respeito: fazer o que é certo, mas sair prejudicado com isso.
Quanto a Trump, é o que se sabe: um ror de casos judiciais ao longo do ano eleitoral (até agora, no plano partidário, isso beneficiou-o, mas para a eleição geral deve prejudicá-lo). E há também a rejeição: vemos mais o fenómeno vocal da mobilização MAGA, mas por vezes escapa-nos que ainda mais numerosa é a rejeição dos norte-americanos a Trump.
Recordar a votação de novembro de 2020 ajuda-nos a compreender isso melhor: Trump teve uns impressionantes 74 milhões de votos, mas Biden obteve uns ainda mais notáveis 81,5 milhões de sufrágios. Está tudo em aberto.
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