O que é que une a segurança dos Estados-membros da NATO a Taylor Swift? À primeira vista, nada. Na cabeça de Donald Trump, o dinheiro
O fim de semana de 10 e 11 de fevereiro veio atualizar a originalidade dos comentários públicos de Trump, geralmente excêntricos no mau sentido do termo. E, embora esta excentricidade já não constitua novidade para nenhum de nós, é bom recordar que não nos devemos habituar a ela. O principal perigo associado aos devaneios de um homem que arrisca ser o mais importante do mundo a partir de novembro deste ano, é que esses devaneios já não nos surpreendam. Porque, ao habituarmo-nos a eles, sem querer, estamos a um passo de os normalizar.
Sábado (10) foi dia de comício na Carolina do Sul. Trump precisa mesmo de transformar as suas aparições em momentos televisivos que se repetem dezenas de vezes na mesma semana, qual reality show. Talvez essa faça parte da sua lista de estratégias para atrair aqueles que querem eleger uma celebridade ao invés de um líder. Seja como for, e isto é o que importa, algumas destas suas estratégias mais originais já provaram ser capazes de fazer oscilar não apenas os níveis de popularidade do candidato republicano, mas também os níveis de estabilidade e segurança europeus e ocidentais. O comício deste sábado ficou marcado pelas afirmações de Trump ao recordar uma conversa que teve com um líder de um Estado-membro da NATO, no contexto da qual revelou qual seria a sua atitude caso a Rússia invadisse um país da Aliança Atlântica que não tivesse as suas obrigações financeiras para com a organização em dia: “Não pagaste, seu delinquente? Eu não te protegeria. Aliás, até os encorajaria [aos russos] a fazer o que entendessem. Tens de pagar as tuas contas.”
Desonrosas e deslocadas da profundidade da origem e missão da NATO, cuja lógica de funcionamento não é a de “quem dá mais?” como acontece num leilão, estas afirmações já levaram alguns diplomatas pelo mundo fora a considerar que jamais um Presidente norte-americano havia dito coisas tão incendiárias acerca da Aliança. A pegada deixada por Trump na história da NATO é bem conhecida: em 2018, o ex-Presidente chegou mesmo a ameaçar abandonar a organização septuagenária, e tudo por conta do fator dinheiro. Trump não é um fã do transatlantismo e os líderes e políticos pela Europa já percecionam e comentam os perigos que essa atitude acarreta, sobretudo se o candidato republicano vencer mesmo as eleições em novembro de 2024. O constrangimento e a preocupação gerados por estas declarações deixaram a Europa em especial estado de alerta acerca desta potencial eleição, em grande medida devido à questão ucraniana, que completará 2 anos no próximo dia 24.
Como advertiu Marko Mihkelson, chefe do comité de negócios estrangeiros do parlamento da Estónia, “[Trump] é uma ferramenta muito conveniente de Putin”. Se se concretizar uma retirada dos Estados Unidos da NATO, cuja motivação residirá certamente na incapacidade de cumprimento das contribuições financeiras por parte de alguns Estados-membros, a Europa, e não apenas a Ucrânia e os países vizinhos, estará mesmo à mercê do Presidente russo (e outros potenciais agressores). Além disso, há uma sensação de impunidade no discurso de Trump que faz prever que o mundo, e não apenas a Europa, pode ficar mais perto de um conflito à escala global, que é como quem diz uma terceira grande guerra. Ou será preciso recordar o senhor Trump que um ataque a um Estado-membro da NATO significa um ataque a todos os seus Estados-membros (art. 5.º do Tratado do Atlântico Norte)?
Domingo (11) foi dia de Super Bowl. Aparentemente, o dia em que se realiza o jogo mais aguardado do ano nos Estados Unidos nada poderia ter a ver com o candidato republicano à Casa Branca. Mas teve, porque Trump é mesmo assim: um ás a capitalizar atenções em momentos aleatórios, inesperados, às vezes inoportunos. Num momento em que a América, incluindo Taylor Swift, estava de olhos postos no Allegiant Stadium, Las Vegas, para o duelo final entre os 49ers e os Chiefs, Trump irrompeu por entre as chamas mediáticas das previsões e apostas sobre o jogo para se pôr a fazer das suas adivinhações, desta vez utilizando o nome da estrela da pop. “Ela [Swift] não pode apoiar o corrupto do Joe Biden e ser desleal ao homem que lhe rendeu tanto dinheiro,” escreveu no Truth Social.
Com isto, o ex-Presidente está a fazer dois exercícios: em primeiro lugar, a aproveitar-se inteligentemente de um momento-chave e de uma personalidade-chave nos Estados Unidos. Roubar os holofotes a poucas horas do Super Bowl é um feito que, para o bem ou para o mal, rende. E roubar os holofotes para falar de Taylor Swift é ainda mais proveitoso, já que a jovem cantora tem uma legião de fãs superior às de Biden e Trump juntas, e talvez ainda pudéssemos quadruplicar esse número. Em segundo lugar, Trump está a colocar as coisas nos termos do que lhe parece mais importante: o dinheiro, sempre o dinheiro. O ex-Presidente refere-se a si próprio quando diz que Swift não pode ser “desleal ao homem que lhe rendeu tanto dinheiro”, o que está inteiramente ligado a uma reforma da lei dos direitos de autor por ele levada a cabo. Na era do streaming, esta reforma, que culminou na nova legislação de 2018, foi um marco relevante para a promoção e valorização do trabalho dos artistas norte-americanos. E agora Trump parece querer cobrar por isso. “Biden não fez nada por ela, nunca fará,” acrescentou sobre o mesmo assunto, numa tentativa clara de pessoalização de uma matéria que é político-jurídica. Afinal, a lei foi reformulada a pensar em Taylor Swift ou na generalidade dos artistas do país?
O objetivo de Trump é evidente: chegar a uma enormidade de americanos através de um ícone da América dos nossos dias, que é Swift. Mas esta cobrança quase desesperada soa a um comportamento demasiadamente forçado para demover a artista musical do possível apoio à recandidatura de Joe Biden, como aconteceu em 2020. A ideia de fazer de um artista uma ponte para o eleitorado não é propriamente descabida, mas recorrer a um elemento tão pouco “Swiftie” – o dinheiro – para atingir esse desígnio não é uma estratégia igualmente sagaz.
Para somar a estas reflexões do fim de semana, a nota conclusiva também não é a mais otimista. Na capital norte-americana são óbvios os sinais da popularidade de Trump, sobretudo comparativamente com a de Biden. O motor turístico-político de Washington D.C., de onde escrevo estas linhas, é indubitavelmente o ex-Presidente e agora candidato a uma segunda Presidência. É possível reparar numa atmosfera Trumpista, que presta tanta atenção em matéria, por exemplo, de merchandising a Donald Trump como ao honroso Abraham Lincoln. Por outras palavras, talvez seja preciso percorrer mais quilómetros para comprar um postalinho com o rosto do Senhor Biden do que para comprar um guarda-chuva, uma máquina de barbear ou uma carteira com a inscrição “Trump 2024”. Com tudo o que isto significa ou pode vir a significar, a advertência do ex-ministro alemão Norbert Rottgen, no seguimento do sucedido no sábado, não podia fazer mais sentido: “Todos deveriam assistir a este vídeo de Trump [no comício na Carolina do Sul] e compreender que a Europa poderá em breve não ter outra escolha senão defender-se.”
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