O que o debate entre Biden e Trump disse sobre a relação entre EUA e China
Diferentes visões de como Washington deveria se relacionar com Pequim ditarão quão pacífico e livre o mundo será
Já se vão alguns dias desde o debate entre Joe Biden e Donald Trump, mas enquanto os Estados Unidos e o mundo se ocuparam de debater se o presidente atual pode ser velho demais para servir ao país por mais quatro anos, particularmente preferi acompanhar o encontro sob outras lentes: o que as duas partes falavam sobre a China. E acredite, as diferentes visões de como Washington deveria se relacionar com Pequim certamente ditarão quão pacífico e livre o mundo será nos próximos anos.
Trump pode ter antecipado uma disputa que muitos já viam como inevitável, mas foi Biden que estruturou uma política de Estado duríssima contra a China. Ao final de quatro anos, chegou-se aos pilares básicos de como este governo vê o relacionamento com Pequim: competição e diálogos intensos, somados a cooperação em áreas de interesse comum. É um jogo que talvez não ressoe com Xi Jinping, para quem competição seguirá sendo palavra sinônima a hostilização, mas ainda assim uma estratégia.
Trump e seus asseclas, contudo, continuaram a dar indicativos que não pretendem seguir este plano. Durante o debate ele voltou a insistir que obrigaria a China a reduzir ainda mais o déficit comercial com os EUA, mas defendeu uma ideia cada vez mais popular entre conservadores: a de que é necessário negociar com Xi de uma posição de força.
A noção é que uma disputa com a China deve ser desenhada para ser vencida, não apenas gerenciada. Não é algo exclusivo dos republicanos, mas foi no partido que a ideia encontrou mais defensores, em especial após a publicação de um artigo de opinião de Mike Gallagher, ex-presidente do Comitê Especial sobre a China e o Partido Comunista na Câmara, e Matt Pottinger, ex-vice-conselheiro de segurança nacional de Trump, na revista Foreign Affairs.
Intitulado “No Substitute for Victory” (sem opções que não a vitória, em tradução livre), o texto argumenta que Washington deveria abraçar a ideia de um confronto sem limites com Pequim e analisar a relação sob lentes mais ideológicas do que pragmáticas.
É uma suposição vazia e cega, que se apoia em comparações irrealistas. Isso porque a China não é nenhuma União Soviética. A grande potência da Guerra Fria podia até ser uma força militar formidável com poder de fogo para extinguir a humanidade, mas sua economia nunca foi tão robusta como a americana.
A China atualmente tem PIB equivalente a 60% ao dos EUA. Sob a ótica da paridade do poder de compra já é a maior economia do mundo e, desaceleração à parte, todo mundo espera que ultrapasse os EUA nominalmente em questão de poucas décadas. Pequim não tem tantas armas nucleares como tinha Moscou na Guerra Fria, mas tem o suficiente (cerca de 484, dizem analistas independentes). E tem mais: uma economia muito mais dinâmica, inovação tecnológica, capacidade industrial, capital humano e conexões comerciais com as quais seus vizinhos soviéticos jamais sonharam.
Abraçar a ideia de vitória é uma estratégia burra e parte do ponto que os EUA têm a primazia da verdade nas relações internacionais. Não têm, como sabemos. A disputa com a China não é algo a ganhar, e os chineses não vão a lugar nenhum, a menos que os dois países iniciem uma guerra sem precedentes com consequências desastrosas para ambos.
Washington deveria continuar a enfrentar Pequim em questões que considero justas, como o desrespeito às instituições multilaterais, aos direitos humanos e às práticas comerciais injustas —não porque seja exemplo em nada disso, mas porque os EUA são o único país capaz de fazer tais demandas em posição de igualdade. Nesse meio tempo, torçamos para que não se vejam presos em uma armadilha para ver quem é o mais forte.
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