Apesar da importância do tema, candidatos progressistas tinham propostas um tanto vagas
SÃO PAULO
Não durou nem seis meses o entusiasmo dos que acreditaram que os Estados Unidos finalmente discutiriam a fundo nesta eleição o grave problema da desigualdade que se instalou na economia mais rica do planeta.
Em meados de outubro, o tema ganhou a centralidade nos debates entre os pré-candidatos democratas e seguiu assim até que, um a um, os postulantes mais identificados com a causa ficassem pelo caminho.
Na quarta (8), foi a vez do senador Bernie Sanders jogar a toalha, seguindo a trilha da também senadora Elizabeth Warren, que saiu da corrida no início de março —e de outros democratas antes dela.
O tema da desigualdade nos EUA não é apenas importante e muito provavelmente crucial para que o país mantenha sua economia saudável no futuro.
Ele também é sexy. E esse parece ser o problema quando acaba embaralhado em discursos eleitorais que, no fim das contas, precisam ser minimamente críveis.
Nesse ponto, tanto as propostas de Sanders quanto as de Warren, os dois mais destacados nesse campo, eram tão contundentes quanto vagas —um paradoxo que não passou despercebido mesmo entre os afetados pela desigualdade no país.
Desde os anos 1980, o total de americanos em famílias da classe média (com renda anual próxima a US$ 78,5 mil, ou R$ 402 mil) encolheu de 60% para 50%.
Além da diminuição desse miolo, em nenhum outro país do mundo houve uma inversão tão chocante da distribuição de renda como nos EUA das últimas quatro décadas.
Hoje, o 1% mais rico captura o equivalente a toda a renda que antes ficava com a metade mais pobre. Essa, por sua vez, viu sua participação no total de rendimentos cair quase à metade, para 12,5%.
De 1980 para cá, o valor médio dos rendimentos anuais brutos da metade mais pobre no país aumentou meros US$ 200 (R$ 1.024), para US$ 16,6 mil ao ano (R$ 85 mil), segundo o Relatório da Desigualdade Global, da Escola de Economia de Paris.
Na contramão, a renda média anual bruta dos 10% mais ricos dobrou (para US$ 311 mil, ou R$ 1,6 mi); e a do 1% no topo triplicou (US$ 1,3 milhão, ou R$ 6,7 mi).
No caso de Elizabeth Warren, entre seus planos constava uma nova taxa de 2% para patrimônios familiares acima de US$ 50 milhões e de 3% para os maiores que US$ 1 bilhão, com potencial de arrecadar US$ 2,75 trilhões em dez anos para políticas sociais.
Só para a saúde, no entanto, ela defendia um sistema público e universal, o que custaria estimados US$ 20,5 trilhões em uma década —isso sem mexer com os impostos da classe média.
Warren também prometia o perdão de parte das dívidas estudantis e ensino gratuito a todos em universidades públicas.
As propostas de Bernie Sanders não eram muito diferentes, assim como a falta de rigor na observação das colunas de receita e despesa.
Por alto, todos os seus planos —que incluiriam ainda uma profunda transformação na matriz produtiva americana para enfrentar o aquecimento global— chegaram a ter custos estimados em cerca de US$ 100 trilhões em dez anos.
O gasto público federal teria de ser mais do que triplicado em relação ao PIB, o que não parecia possível sem que uma base maior de impostos atingisse a classe média —embora houvesse a promessa de não mexer com ela.
Agora o caminho está livre para Joe Biden. Para os democratas mais radicais, sobrará tempo para pensar em propostas que não cheirem tanto a um certo populismo de esquerda.
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