Anyone who stumbled upon the online editions of the esteemed German news outlet Die Welt from yesterday and the day before were shocked – to say the least. First, the reader would have come across an article – featured for a few short hours – which considered the possibility of nuclearizing Germany, and called attention to uncertainties in Donald Trump’s defense alliance policy. Following that – certainly with less astonishment – the reader would have run into an editorial that considered the idea of a nuclear Germany as tragic and disastrous. Finally, elsewhere among the articles about history, another story had the following title: “Adenauer, However, Wanted Atomic Weaponry for the Federal Army.”
This issue is not new and it has been a recurrent theme in the international press (both in the German and English press), especially since Trump’s election. In any case, the mere mention of such a matter was obviously unexpected since, in 2011, after the disaster in Fukushima, Germany announced it would phase out nuclear power by 2022. That decision came from Angela Merkel, a professional physicist and Environment and Nuclear Safety minister during the final years of Helmut Kohl’s term in office. To those familiar with German society and who recognize the importance of "ecological” movements and the sensitivity of the eastern environmental issue, the decision to phase-out nuclear power plants does not come as a surprise. Actually, it is shocking, for those and for many other historical and political reasons, that there could be a discussion – even if only hypothetically – about creating a nuclear-based military power. It would certainly be rejected by a majority of the population, and the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons forbids it. One thing is certain: Germany has the scientific, technical and financial means to quickly assemble a successful nuclear weapons program. Not to mention that the “creators” of the first atomic bomb were, for the most part, German scientists living in America.
The way that this issue is being dealt with seems – and will almost certainly be – implausible. However, it does confront us with a useful and convenient exercise, especially if we consider Trump’s position regarding NATO and European defense, the emergence of Brexit and the European Union’s recent developments regarding defense.
Trump, following in the steps of his predecessors – but in a much more assertive and uncompromising way – has been emphasizing the increase in defense spending by the European allies. Although he speaks erratically, Trump has gone further than his predecessors by suggesting that Europe should defend itself, and, with respect to certain cases (i.e., Montenegro and the Baltics), the U.S. may not be able to comply with the obligation of solidarity under Article 5 of the NATO treaty. This position, combined with a hostility toward the EU and Germany, in particular, has led Europeans to believe they cannot count on U.S. military protection anymore. During the opening speech for the European People’s Party group in the European Parliament in Munich at the beginning of June, Merkel said it loud and clear: “Home alone.” Overall, during the usual press conference that precedes vacation, she was very clear when she stated that there is a new geopolitical context in which Europe can no longer count on American protection, which has resulted in further development of Germany’s self-defense.
The point here is to find out whether the American president’s strategy will have counterproductive effects. Even setting aside the nuclear power issue, at least for now, the question we must ask is this: Is America really interested in having European states, especially Germany, taking responsibility for their defense? Won’t Trump’s rhetoric that each state should pay its own bill and the consequences of each state looking out for themselves make room for the rearmament of medium to large European countries? Wouldn’t it be more convenient to make it clear that the inevitable increase in financial contribution will never exempt a normal operational framework? Wouldn’t Germany, with defense spending of 2 percent or more, being fully rearmed (even considering only conventional methods), seriously alter the European political balance? Wouldn’t that alter Germany’s absolute economic supremacy and particularly its disproportional commercial surplus more than it already does? By leaving Europe to its own devices under pressure from the potential Russian threat, isn’t Trump providing an argument for the resurgence of European military polarization?
Still, with regard to setting the EU's defense policy according to its Permanent Structured Cooperation in Defense and Security framework, these questions may arise. The creation of a true defense union – which is an old and never achieved ambition – has always had, as one of its motivations, a “transnational” framework with respect to Germany's rearmament. Progress in the area of defense cannot, and should never, overlook this motivation, for there is a risk that shifts in balance may be harder to compensate for in a new geopolitical context. It is not for nothing that Germany supports the creation of a seat for the EU on the United Nations Security Council. It is precisely because that would be the fastest path to creating a Teutonic position inside the Council.
The idea of a nuclear Germany seems odd. However, simply considering it makes us realize we are at the mercy of a transition. If America were to consider a nuclear Germany, it could reduce and correct some of its most recent isolationist impulses, to the benefit of everyone, Germans, Europeans and Americans included.
A ideia de uma novel potência nuclear alemã parece peregrina. Mas basta considerá-la para perceber como estamos em plena deriva de transição.
1. Quem tenha tropeçado na edição electrónica de ontem e de anteontem do prestigiado jornal alemão Die Welt terá ficado, no mínimo, estupefacto. Primeiro, terá topado com um artigo, que teve honras de destaque por escassas horas, em que se equaciona a possibilidade de dotar a Alemanha de armamento nuclear, atenta a incerteza da política de alianças de defesa de Donald Trump. Logo de seguida – seguramente, com menos espanto –, deparava-se com uma crónica em que se considera a ideia de uma Alemanha atómica como uma ideia trágica e desastrosa. Finalmente, e algures na rubrica de artigos de história, um outro texto bem assinalado ostentava o seguinte título: “Já Adenauer queria armas atómicas para o Exército federal”.
A questão não é nova e tem sido intermitentemente aflorada na imprensa internacional (seja de língua alemã, seja de língua inglesa), em especial depois da eleição de Donald Trump. Em todo o caso, a simples enunciação da questão é obviamente inesperada ou não fosse a Alemanha o país que, em 2011, no seguimento da catástrofe de Fukushima, anunciou o encerramento de todas as centrais nucleares (para fins civis) até 2022. E que o fez pela mão de Angela Merkel, física de formação e Ministra do Ambiente e da Segurança Nuclear nos anos finais do consulado de Helmut Kohl. Para quem conhece a sociedade alemã, a importância das correntes “ecológicas” e a sensibilidade com a situação ambiental do Leste, a decisão de “descontinuar” as centrais nucleares não é surpreendente. Estranho é, isso sim, por esta e por razões históricas e políticas de peso, que possa discutir-se – ainda que só teoricamente – a criação de uma capacidade militar de natureza nuclear. Ela teria decerto uma rejeição maioritária da população e está vedada pelo Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Uma coisa é certa: a Alemanha dispõe de todas as condições científicas, técnicas e financeiras para poder montar, num prazo curto, um programa de armamento nuclear bem sucedido. Nunca será de esquecer que os “inventores” da primeira bomba atómica eram, em boa parte, cientistas alemães “emigrados” nos Estados Unidos.
2. A questão, tal como vem posta, parece – e será com quase absoluta certeza – do domínio do inverosímil. Não deixa, no entanto, de nos confrontar com um exercício útil e conveniente. Especialmente, se considerarmos a posição de Trump quanto à NATO e à defesa europeia, a emergência do "Brexit" e os recentes avanços da UE na área da defesa.
Donald Trump, na esteira dos seus antecessores, mas de modo muito mais assertivo e intransigente, tem feito a apologia do reforço dos gastos com a defesa por parte dos aliados europeus. Ainda que com um discurso errático, tem ido bem mais longe do que os predecessores, ao sugerir que a Europa se deve defender a si mesma e que, em certos casos (por exemplo, Montenegro e Bálticos), poderá não estar disponível para dar cumprimento à obrigação de solidariedade do art. 5.º do Tratado da Aliança Atlântica. Esta posição, combinada com uma hostilidade manifesta em relação à UE em geral e à Alemanha, em particular, levou a que se criasse a impressão de que os europeus não podem mais contar com o “guarda-chuva” militar dos EUA. No discurso de Munique de abertura das jornadas parlamentares do Grupo PPE, em inícios de Junho, Merkel clamou alto e a bom som: “allein zu Hause” (“sozinhos em casa”). De resto, na habitual conferência de imprensa que antecede as férias, ela foi claríssima ao assumir que havia um novo contexto geopolítico em que a Europa já não podia contar com a protecção americana e que isso implicaria tratar da autodefesa.
3. O ponto aqui é o de saber se a estratégia do Presidente norte-americano não terá efeitos contraproducentes. Mesmo pondo de parte, pelo menos para já, a capacidade nuclear, a pergunta que tem de se fazer é a que segue: os EUA têm mesmo interesse em que os Estados europeus e, em especial, a Alemanha assumam plena responsabilidade pela sua defesa? A retórica de que cada um deve pagar a sua conta e a consequência que lhe vai associada de que cada qual trata de si não abrirão a porta a um rearmamento das médias-grandes potências europeias? Não seria mais curial deixar claríssimo que o inadiável aumento da contribuição financeira nunca dispensará um quadro operacional comum? Uma Alemanha, com um gasto em defesa de 2% ou mais, plenamente rearmada (ainda que só com meios convencionais), não alteraria seriamente o equilíbrio político europeu, mais do que já altera a sua absoluta supremacia económica e, em particular, o desproporcionado superavit comercial? Com a entrega da Europa a si mesma, pressionada pelo potencial de ameaça da Rússia, não estará Trump a dar argumentos a um ressurgimento de uma polarização militar especificamente europeia?
4. Também no palco da política de defesa da UE, designadamente da Cooperação Estruturada Permanente na área da Segurança e da Defesa, podem plantear-se estas questões. A criação de uma verdadeira união de defesa – que é uma velha e nunca atingida ambição – teve sempre, entre as suas motivações, o enquadramento “transnacional” de um eventual ressurgimento militar da Alemanha. Os avanços na área da defesa não podem nem devem nunca iludir esta “motivação”, sob pena de gerarem desequilíbrios que, num novo contexto geopolítico, podem ser mais dificilmente compensáveis. Não é, por acaso, que a Alemanha apoia a criação de um lugar para UE no Conselho de Segurança da ONU. É justamente porque esse seria o veículo mais à mão para poder fazer chegar a posição teutónica àquele concílio.
A ideia de uma novel potência nuclear alemã parece peregrina. Mas basta considerá-la para perceber como estamos em plena deriva de transição. Se os EUA a considerassem, talvez moderassem e corrigissem alguns dos seus mais recentes ímpetos “isolacionistas”. A bem de todos, alemães, europeus e americanos incluídos.
This post appeared on the front page as a direct link to the original article with the above link
.