Que o mundo é um lugar injusto, sabemos desde o início dos tempos. A dúvida é se ele vem se tornando cada vez mais ou menos injusto. Há controvérsias.
Ao que parece, ele se transforma num lugar melhor para se viver. Pergunte a chineses, indianos e à nova “classe média” brasileira. Isso graças ao capitalismo de mercado, capaz de multiplicar riquezas e de libertar a criatividade humana.
Mas o progresso do pós Segunda Guerra que gerou tanta riqueza e bem estar finalmente deu sinais de decrepitude na atual crise. Voltou-se contra os EUA, onde se propagou rápido demais, como um câncer em metástase, comprometendo todo o organismo.
Não parecem razoáveis, por exemplo, as remunerações de executivos de bancos no país, as relações entre muitos preços e salários e distorções como a de uma empresa como a General Motors, que emprega 40 mil pessoas, valer hoje no mercado US$ 700 milhões. Como comparação, apenas dois apartamentos a venda em Manhattan nesta semana valem cerca de 10% do valor em Bolsa da GM.
O jovem presidente dos EUA, Barack Obama, 47, parece determinado a corrigir algumas dessas distorções. Para os EUA, a questão não é trivial, pois implicará num freio considerável à chamada “força criativa” de seu capitalismo em um momento em que a hegemonia norte-americana é posta em xeque.
Se o século 19 pertenceu à Grã Bretanha e o 20 à América, certamente há um deslocamento de poder econômico em direção à Ásia. Enquanto os EUA se preparam para ter o maior déficit da história recente em 2010, a China acumula mais de US$ 2 trilhões em reservas (há 30 anos, elas não chegavam a US$ 170 milhões –0,0000000085% do total atual).
Mais: enquanto as economias avançadas afundam neste ano e provavelmente um pouco mais no próximo, a China deve crescer seguidamente. Em 2007, os emergentes (com China à frente) respondiam pela metade do crescimento mundial. Neste ano, sua fatia será majoritária, aumentando mais em 2010.
O que isso muda? Muita coisa.
Não parece absurdo, passada essa crise, que a moeda de reserva no mundo aos poucos deixe de ser o dólar e se torne o yuan (ou renminbi) chinês. Em suas relações comerciais, vários países já concordaram com a China em aceitar o câmbio direto entre suas moedas e o yuan, sem passar pelo dólar.
Se a China continuar crescendo como faz há anos, e os EUA continuarem a se debater com seus problemas, isso pode ser uma questão de anos, não de décadas.
Outro ponto, crucial: a mais recente iniciativa da Casa Branca, de pedir ao Congresso uma nova e completa regulamentação do chamado mercado de derivativos (instrumentos “exóticos” que detonaram a crise) parece absolutamente necessária. Mas será também um duro golpe para o poderio econômico norte-americano.
Os derivativos são instrumentos financeiros complexos que permitem aos bancos “empacotar” centenas de dívidas em outros títulos a serem vendidos por aí. Ou criar mecanismos como os “credit default swaps” (uma espécie de seguro contra perdas). O problema é que hoje nenhuma autoridade supervisiona isso. E o tamanho desse monstro cresceu até US$ 680 trilhões (53 PIBs dos EUA!) em 2008.
Agora, Obama quer não só a supervisão dessas operações e o registro de cada uma delas em uma espécie de Bolsa, mas que os bancos que as realizam guardem provisões em dinheiro (o que não é feito hoje) para cobrir eventuais perdas.
Certamente o resultado disso será uma diminuição abrupta dessas operações e da quantidade de dinheiro envolvida nelas.
O problema, para os EUA, é que grande parte do crescimento econômico dos últimos anos se deu justamente apoiado nessa “bolha” dos derivativos. Ela criou, em última instância, a “riqueza” e o crédito farto destinado ao consumo, que responde por 70% do PIB norte-americano.
Não há como os EUA saírem maiores do que entraram nessa crise.
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