Descompasso global
Enquanto europeus e americanos mantêm frouxa a política monetária, com juros baixos e dinheiro farto no mercado, as autoridades chinesas tomam a dianteira e começam o ajuste pós-crise. Se não houver uma grande surpresa, a economia chinesa deverá adiantar-se também no retorno ao crescimento normal, reforçando sua posição entre as maiores potências produtoras e exportadoras. A China já é a número um em exportação, tendo ultrapassado a Alemanha no ano passado, e em breve poderá tomar do Japão o posto de segunda maior economia do mundo. Para isso, no entanto, suas autoridades terão de controlar a bolha imobiliária, já identificada claramente, e de evitar a acumulação de pressões inflacionárias. Nos EUA e na Europa, os dirigentes dos bancos centrais esperam sinais mais firmes de crescimento econômico para diminuir os estímulos monetários concedidos no trimestre final de 2008.
O Banco Central Europeu (BCE) anunciou ontem a decisão de manter os juros básicos em 1% ao ano. O presidente da instituição, Jean-Claude Trichet, reafirmou a disposição de retirar gradualmente os estímulos monetários. Mas o crédito continua fraco, ressalvou, e as expectativas de inflação permanecem moderadas.
A economia da zona do euro deve ter continuado em crescimento no trimestre final do ano, mas a recuperação em 2009 foi sustentada por fatores temporários, segundo ressalvou. Em outras palavras: é cedo para desmontar o esquema anticrise. Poderia ter ilustrado seu comentário com os novos dados da economia alemã, a maior da Europa: contração de 5% em 2009, com exportações 14,7% menores que as do ano anterior. A melhor notícia foi a manutenção do nível de emprego, com fechamento de apenas 37 mil postos durante o ano.
Mas o déficit público nominal chegou a 3,2% do PIB e, quando o país estiver em melhores condições, o governo terá de iniciar um severo ajuste nas contas públicas. Isso provavelmente limitará o ritmo de crescimento por um ano ou pouco mais. Antes de qualquer mudança, no entanto, será preciso sair da recessão. A reativação observada em algumas economias europeias no terceiro trimestre parece haver perdido vigor. Muitos economistas mostram-se hoje muito menos confiantes do que há alguns meses na recuperação da atividade em 2010.
Também nos EUA ainda não há perspectiva de elevação dos juros básicos. O Federal Reserve divulgou na quarta-feira seu Livro Bege, um panorama da economia publicado oito vezes por ano. Segundo o relatório, a reativação continuou a espalhar-se pelo país, no fim do ano, mas os negócios permaneceram em nível modesto. As vendas de Natal foram maiores que as de 2008, mas muito inferiores às de 2007. Além disso, a procura de empréstimos continuou baixa. Segundo informe divulgado ontem pelo Departamento de Comércio, as vendas do varejo em dezembro caíram 0,3%. As previsões do mercado eram de aumento de 0,5%. De acordo com o Departamento do Trabalho, os pedidos de auxílio-desemprego na semana passada aumentaram de 11 mil. A expectativa era de redução de 4 mil.
Neste cenário, não há como prever para os próximos meses um aumento dos juros básicos nos Estados Unidos. Também a política fiscal deverá continuar expansionista, porque o governo terá de manter os estímulos à reativação dos negócios. Enquanto isso, as contas do governo continuarão acumulando grandes déficits e isso tornará o ajuste mais difícil e prolongado.
Na China, o banco central anunciou desde a semana passada três medidas para limitar o crédito. Elevou os juros de seus títulos de três meses, depois aumentou o rendimento dos papéis de um ano e informou a intenção de ampliar a partir de segunda-feira o depósito compulsório dos bancos. Em dezembro, os preços de imóveis urbanos subiram em ritmo equivalente a 7,8% ao ano em 70 cidades grandes e médias. Foi mais uma confirmação do superaquecimento do mercado imobiliário. As autoridades parecem mostrar um propósito sério de corrigir os efeitos da política expansionista adotada no início da crise. Se agirem com firmeza e na hora certa, eliminarão os excessos e a economia poderá crescer com vigor nos próximos anos, consolidando-se como locomotiva global.
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