Obama Performs a Triple Bypass

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Mais de um ano de esforços para fazer vingar a reforma da saúde custaram caro a Barack Obama e em desespero de causa o presidente optou pela legislação possível muito aquém das suas promessas eleitorais.

No final de 2009 a Casa Branca abandonava o projecto de instituir um sistema universal de cobertura pública dos cuidados de saúde como alternativa a seguros privados.

O embaraço político aumentou à medida que hesitações e falhas de liderança se tornavam notórias quando ao tentar evitar o erro de Bill Clinton, que em 1993 apresentara um projecto detalhado de reforma com pouca margem de negociação no Congresso, Obama deixou à negociação dos blocos de interesses no Capitólio os termos da reforma.

Perdida qualquer hipótese de consenso bipartidário face à guinada conservadora dos republicanos, logo evidente no voto unânime da oposição contra o pacote de estímulos à economia no primeiro mês do mandato presidencial, a perda da maioria qualificada no Senado em Janeiro obrigou o presidente a tentar tomar em mãos a iniciativa legislativa.

Atolado em casa e no estrangeiro

A aprovação na Câmara de Representantes de uma reforma legislativa da maior relevância, comparável à adopção do sistema de assistência de saúde subsidiada a maiores de 65 anos introduzida por Lyndon Johnson em 1965, sem qualquer voto favorável republicano e com a oposição de 34 democratas, chegou, por fim, numa altura em que os apuros em matéria de política interna faziam mossa notória na frente externa.

À recusa do primeiro-ministro chinês em encontrar-se com Obama numa negociação de última hora na conferência sobre alterações climáticas de Copenhaga, em Dezembro, sucedeu-se a desfeita do governo israelita, anunciando a construção de colonatos em Jerusalém Oriental quando o vice- -presidente Joe Biden chegava ao país.

Os desaforos diplomáticos à Casa Branca conheceram outro ponto alto ainda este mês na declaração de Vladimir Putin de que a central nuclear iraniana de Busher, construida pela Rússia, entrará em funcionamento no Verão no momento em que Hillary Clinton negociava em Moscovo reduções de armamento estratégico, o Médio Oriente e a crise do programa nuclear militar de Teerão.

Mesmo quando vistas como meros actos tácticos negociais tais afrontas propositadas só se tornaram possíveis por ter ganho terreno a ideia de que Obama enleado em sucessivos braços de ferros na política interna e em apuros pela lenta retoma económica norte-americana perdia popularidade e o norte.

Ganhos a prazo

Num ápice a vitória no Congresso permitiu a Obama relançar a sua agenda política numa conjuntura em que as taxas de aprovação do presidente caíram abaixo dos 50 %.

As lacunas da reforma, aquém da fracassada proposta de Richard Nixon em 1974 para seguros obrigatórios para todas as empresas ou deixando de fora 12 milhões de imigrantes ilegais, são contrabalançadas pelo aumento progressivo do número de cidadãos norte-americanos, cerca de 32 milhões, que nos próximos dez anos passarão a contar com apólices de saúde.

Ao impedir, designadamente, as seguradores de recusarem apólices a crianças invocando condições pré-existentes (proibição de aplicação universal em 2014), ao permitir que jovens até aos 26 anos gozem das regalias dos contratos de saúde dos pais, ao oferecer deduções fiscais a pequenas empresas pelos seguros de empregados e alargar descontos em medicamentos para maiores de 65 anos, a reforma tem efeitos benéficos imediatos para boa parte do eleitorado.

A obrigatoriedade de seguros de saúde a vigorar a partir de 2014 ou o aumento da carga fiscal dentro de três anos para famílias com rendimentos anuais superiores a 250 mil dólares ou indivíduos singulares declarando 200 mil dólares são outra face da moeda de uma reforma que é apenas um primeiro passo para contrariar o agravamento de uma situação em que a despesa total em saúde supera os 16 % do PIB com cobertura e eficácia bem pior do em Portugal onde os custos são inferiores a 10 %.

Desde já, abriu a controvérsia jurídica sobre direitos dos estados versus leis federais e o teor da regulação do mercado de seguros de saúde, além da discussão das estimativas do Comité do Orçamento do Congresso que prevêem custos na ordem dos 940 mil milhões de dólares nos próximos dez anos a troco de uma redução de 138 mil milhões de dólares do défice federal.

Uma quimera republicana

O aumento dos custos de cuidados médicos e dos prémios dos seguros de saúde são, por seu turno, uma inevitabilidade bem presente para a maioria dos eleitores norte-americanos e é com esse efeito que contam os republicanos para desfeitear os democratas nas eleições para a totalidade da Câmara de Representantes e um terço do Senado em Novembro.

Em clima tórrido de polarização ideológica são críveis as esperanças republicanas de vitória em Novembro, mas os elementos fundamentais da reforma de saúde dificilmente serão alterados, em particular a obrigatoriedade universal de seguros.

Lutar pelo voto prometendo revogar a legislação Obama é a palavra de ordem de difícil concretização lançada pelos republicanos ainda que cale fundo no eleitorado conservador e possa atrair muitos independentes temerosos das consequências de maior intervenção de um estado com um défice descontrolado.

O repúdio da reforma implica maioria absoluta no Senado e o controlo da Câmara de Representantes, algo dificilmente alcançável antes de 2014, ano de eleição presidencial, e precisamente nessa altura mais 32 milhões de norte-americanos estarão já abrangidos pelos novos seguros de saúde.

Para os democratas os eventuais efeitos benéficos da reforma e o alargamento dos seguros de saúde terão tornado as mudanças tão irreversíveis quanto as inicialmente controversas criminalização da segregação racial ou criação de subsídios de saúde para pessoas de baixos recursos e maiores de 65 anos por parte da administração Johnson em 1964 e 1965.

Uma reforma imperfeita e controversa — em muitos pontos semelhante à promulgada pelo antigo e futuro candidato presidencial Mitt Romney enquanto governador republicano do Massachusetts em 2006 -, presentemente repudiada pela maioria do eleitorado, poderá custar a maioria aos democratas na Câmara dos Representantes em Novembro, sobretudo a manter-se o actual nível de desemprego (9,7 %), mas, desde já, Obama libertou-se de um fardo político que constrangia a sua presidência.

Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

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