Obama and the Middle East Trap

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Li, no pé de uma matéria do Estadão, hoje, a avaliação de que o processo de paz no Oriente Médio voltará a parar. Por uma razão simples: o governo Obama está convencido de que não adianta negociar nada com o premier Benjamin Netanyahu. O centro desse raciocínio é a maior crise deflagrada entre EUA e Israel em 35 anos, com a proposital coincidência entre o anúncio da expansão de assentamentos ilegais na parte árabe de Jerusalém e a visita do vice-presidente dos EUA Joe Biden. O que era para ser o primeiro passo de uma estratégia de governo transformou-se em uma humilhação pública para um dos maiores especialistas em Oriente Médio dentro das esferas governamentais americanas. Biden sempre esteve ligado ao comitê de relações internacionais do Senado e atuou de forma muito decisiva em muitos episódios ligados a esse assunto no passado. Sua viagem a Tel Aviv era um gesto simbólico de importância e pressão, deixando claro a Netanyahu que a conversa deveria ser “para valer”.

Biden, no entanto, cometeu um erro, ou foi induzido a ele. Acreditou, ou foi levado a acreditar, que o governo israelense, especialmente o atual, tem alguma intenção de negociar qualquer tipo de acordo que viabilize a criação de um estado palestino independente nos territórios árabes ocupados. Faz parte de qualquer doutrina de governo, qualquer que seja o formato do gabinete no poder, negar permanentemente que esse objetivo possa ser alcançado. Em um artigo publicado no JB, o professor Gilson Caroni Filho expôs de forma muito objetiva essa questão, a partir da recusa – corretíssima a meu ver – do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fazer uma visita extemporânea e não acertada previamente com o cerimonial brasileiro ao túmulo de Theodor Herzl, o fundador do sionismo. As ideias de Herzl percolam todos os níveis da administração pública, assentam o pensamento de boa parte da sociedade israelense e são baseadas tanto na exclusão dos palestinos de seu próprio território – reivindicado por bases religiosas – quanto em um sistemático comportamento independente quanto às pressões da comunidade internacional. Para o sionista, o desprezo do mundo quanto à diáspora e à Shoah (Holocausto) deu aos israelenses o direito de se considerarem em um mundo à parte.

Lula não quis visitar o túmulo do fundador do sionismo e escapou de uma armadilha. Ao se apresentar como um mediador viável ao conflito – em uma leitura da própria importância tão näive que pode até dar certo – o presidente brasileiro manteve-se distante de um endosso à política de expansão constante em um território ocupado ilegalmente. A mesma atitude Obama não pode tomar, visto que os EUA são o único aliado incondicional que Israel possui. O anúncio da expansão dos assentamentos ilegais em Jerusalém não foi “um erro de timing”, como Netanyahu afirmou ao se desculpar diante da virulenta reação da Casa Branca – jamais um secretário de Estado havia classificado qualquer ação do governo de Israel como um “insulto” aos EUA, como Hillary Clinton fez – mas uma manobra ardilosa e muito bem executada. Ao fazer isso, Netanyahu sabia que enfrentaria uma crise séria no relacionamento com a América, mas tinha garantias de que poderosos aliados nos EUA se encarregariam de manter a questão restrita apenas ao declaratório. Comprovando esse raciocínio está o fato de que, duas semanas depois do anúncio, nenhuma medida concreta foi tomada contra a expansão em Jerusalém. As obras não foram e não serão sustadas e o efeito retórico aos poucos perde a força, como o discurso de Hillary Clinton na AIPAC (a organização que lidera o lobby judaico nos EUA) ontem deixou bastante claro.

Outro ganho político obtido por Netanyahu com o anúncio da expansão – fora “neutralizar” completamente Biden – veio do fato de os palestinos terem reagido da forma como se esperava. Líderes radicais morderam a isca e decretaram um Dia da Ira no qual o único objetivo conquistado foi o de relativizar a estabilidade econômica experimentada na Cisjordânia ocupada com a consolidação da Autoridade Palestina enquanto instância efetiva de governo. Joe Klein, colunista da Newsweek, lembrou bem ao comentar a crise, que Netanyahu sempre foi e sempre será inimigo de qualquer tipo de acordo que conceda aos palestinos o que lhes é de direito, ainda que em menor proporção. E que, diante do comprovado avanço do PIB palestino, de melhorias sociais trazidas com o crescimento do comércio e de outros negócios mesmo com os bloqueios israelenses, da queda em índices de criminalidade, era preciso criar alguma justificativa baseada na segurança para renovar o estado de sítio usado como garrote para a expulsão definitiva de todos os palestinos. Há dias voltamos a ver cenas de jovens atirando pedras contra soldados e de soldados revidando com tiros de fuzil. E as mortes voltaram a ocorrer.

Não é à toa que a sensação de que Obama está esperando uma nova rotação de poder em Israel para retomar o processo com outros interlocutores se fortalece. Se é isso, é tudo que os radicais da direita israelense mais queriam, já que mantiveram a indulgência com que os EUA tratam as decisões que tomam – mesmo as potencialmente mais perigosas – sem receio de novas pressões. Também ganham um tempo precioso no relógio lento e aparentemente inexorável do sionismo, cujos ponteiros sem movem apenas em função da eliminação palestina da Cisjordânia ocupada a partir de novos assentamentos ilegais e outras decisões questionáveis sob o ponto de vista moral e político. Para a segunda geração da Intifada, que em breve chegará às ruas para lutar também com pedras, a resistência voltará a ser o único objetivo de vida e uma herança cuidadosamente transmitida de pai para filho – há um diálogo sobre isso no filme “Munique”, de Steven Spielberg, que é emblemático. É uma pena, porque os ganhos econômicos advindos com a paz tênue eram um caminho muito mais promissor para a estabilidade, ainda que o radicalismo acabe os usando como leitmotiv para justificar o caminho da violência como o único viável e efetivamente eficaz contra o expansionismo sionista.

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