O fim da era do Atlântico?
A relação transatlântica é um dos pilares essenciais da política, da economia e da segurança internacional. O problema é que nas capitais europeias e em Washington praticamente ninguém parece estar muito interessado em adaptar esta relação ao novo cenário internacional. Falamos, pouco, na NATO. É tudo.
Um ano e meio depois de Barack Obama ter tomado posse, as grandes expectativas europeias em relação à sua Administração deram lugar à desilusão. Do lado de lá do Atlântico, a Administração Obama tem cada vez mais gente que pensa que Donald Rumsfeld tinha toda a razão – a Europa ocidental é realmente a “Velha Europa” e não vale a pena esperar muito mais dela.
A que é que se deve esta fase de falta de atenção e de imaginação em relação à Aliança Atlântica? Acho que duas coisas ajudam a explicar o que tem vindo a acontecer. A primeira está relacionada com a pressão política gerada pelas consequências internas da Grande Recessão de 2007/2009 e das dúvidas em relação à evolução do capitalismo.
Se olharmos para os EUA, vemos que Barack Obama está com um problema complicado de popularidade e de credibilidade. Nos países da União Europeia é praticamente impossível encontrar um primeiro-ministro ou um Presidente popular. David Cameron é a exceção, mas o seu Governo acabou de tomar posse. A impopularidade dos governantes europeus deve muito à incerteza que rodeia o futuro da zona euro, à atual austeridade orçamental, aos níveis extremamente elevados de desemprego e à dificuldade de continuar a financiar os nossos generosos modelos sociais.
Americanos e europeus estão agora mais virados para dentro. O tempo para repensar o papel da relação transatlântica a nível político e económico é agora menor do que no passado. No que toca à imaginação e à grande estratégia, o melhor é nem falar do assunto.
A segunda coisa a ter em conta é a crença generalizada de que estamos a viver o fim da era do Atlântico e que o século XXI será o século da Ásia. É evidente que a globalização está a mudar profundamente o mundo. E também é evidente que nos próximos 20 anos muitos países na Ásia terão muito mais influência na economia e na política internacional. O mesmo pode aliás ser dito em relação ao Médio Oriente e à América Latina. Mas toda a atual conversa à volta do declínio da Europa e dos EUA e da ascensão da Ásia ignora coisas importantes.
Ignora, por exemplo, que a globalização não é um jogo de soma zero entre a Ásia e o mundo euro-atlântico. Ignora que a Ásia tem problemas de segurança complicados por resolver. Ignora também as rivalidades e as grandes diferenças políticas e económicas de países como o Japão, a Índia, a Indonésia, a Coreia do Sul e a China. As disparidades internas nestes países tendem a ser muito grandes. Finalmente, daqui a cinco anos a sociedade chinesa vai começar a envelhecer muito rapidamente. Este processo de envelhecimento terá quase de certeza importantes consequências políticas e económicas internas e colocará os decisores de Pequim debaixo de forte pressão.
As dificuldades e os desafios dos países europeus e dos EUA são reais, mas o atual obituário da era do Atlântico parece-me ser muito prematuro. O nosso liberalismo político e económico é um grande trunfo para o futuro. A integração das economias do Velho Continente e dos EUA é muito mais profunda do que normalmente se pensa. A economia transatlântica vale acima de quatro triliões de dólares e emprega mais de catorze milhões de pessoas. Em 2008, por exemplo, as empresas americanas investiram três vezes mais na Holanda do que na China. Os investimentos europeus nos EUA são enormes.
A era do Atlântico não acabou. A sua continuação nas próximas décadas, todavia, exige muito mais atenção política e o repensar da grande estratégia dos países europeus e dos EUA. Será que em Bruxelas e em Lisboa alguém está interessado no assunto?
Leave a Reply
You must be logged in to post a comment.