As primeiras páginas dos jornais internacionais revelam sempre coisas interessantes. Na edição de 27 de outubro, o “Financial Times” chamava a atenção para a inauguração da linha de comboio de alta velocidade em Xangai. Este tipo de comboios é um símbolo de prestígio político e tecnológico.
Na sua coluna de quarta-feira no “New York Times”, Thomas Friedman comparava o tempo de uma viagem entre Washington e Nova Iorque com o do percurso de Pequim até Tianjin. A primeira viagem dura três horas e raramente é pontual. Do lado de lá do Pacífico, a viagem dura apenas noventa minutos. Para Friedman, isto mostra a enorme diferença entre os EUA e a China em relação aos investimentos em infraestruturas.
Há, todavia, outra maneira de olhar para o que se está a passar nas linhas de caminho de ferro chinesas. Se seguirmos estes trilhos, compreendemos melhor a agenda política interna de Pequim e a sua ascensão ao nível regional.
Ao nível doméstico, os comboios são vistos pelos decisores chineses como essenciais para desenvolver as províncias do interior. Um relatório recente da Economist Intelligence Unit chama a atenção para o ritmo a que a urbanização da China está a ter lugar. Em 2020, o país terá mais 143 milhões de pessoas a viver em cidades. Por essa altura, 800 milhões de chineses viverão em zonas urbanizadas. Muitas delas, como Chongqing, Hefei, Anshan, Maanshan, Pingdingshan e Shenyang são praticamente desconhecidas entre nós. Os caminhos de ferro serão essenciais no desenvolvimento desta nova fase da geografia económica da China.
Os comboios também desempenham uma função crucial ao nível da manutenção do domínio geopolítico das fronteiras. O melhor exemplo é a longa linha de caminho de ferro que ligou Pequim a Lhasa, a capital do Tibete, no final de 2005. Esta linha, com mais de quatro mil quilómetros de comprimento, é um feito de engenharia e tem uma dupla função estratégica para a China. A primeira é garantir o controlo sobre o Tibete. A segunda é abrir as suas vias de comunicação económicas e militares até perto da fronteira com a Índia. No final de setembro, Pequim anunciou a construção de uma nova ligação ferroviária entre Lhasa e Xigase, a segunda cidade mais importante do sudoeste do Tibete. Aqui as linhas de caminho de ferro são um símbolo do poder chinês.
Ao nível externo, os planos ferroviários chineses também mostram coisas importantes. A situação do Mar do Sul da China ajuda a explicar estes planos. Por este mar passam cerca de um terço do comércio marítimo mundial e metade do petróleo que abastece o nordeste da China, o Japão e a península coreana. Pequim olha para este mar como sendo a sua aorta naval e, para grande irritação dos seus vizinhos, tem mostrado este ano uma grande determinação em passar a controlar o que aí se passa. O problema é que os EUA, a grande potência naval das últimas décadas, estão no caminho e controlam o acesso ao Índico através do estreito de Malaca. Na próxima década, uma das mais importantes questões da segurança e economia internacional será saber como é que os líderes políticos e militares de Washington e Pequim vão gerir este problema.
Este estado de coisas tem levado a China a procurar um acesso direto ao Golfo de Bengala no Índico. Este acesso não substitui de maneira nenhuma a influência e o poder no Mar do Sul da China, mas é uma alternativa interessante para a política externa de Pequim. Os melhores exemplos desta tentativa de tornear os obstáculos geográficos e a presença naval norte-americana são o gasoduto e oleoduto que ligará o Golfo de Bengala ao sul da China e o recente anúncio da construção de uma linha de caminho de ferro entre Kunming, a capital da província de Yunnan, e Rangoon, a antiga capital da Birmânia.
Os comboios são um bom guia para compreender a evolução da política interna e externa da China.
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