WikiLeaks and the Decent Society

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WikiLeaks e a sociedade decente

Basta recuar 30 ou 40 anos para conhecermos segredos muito mais graves do que aqueles que revela o WikiLeaks. Desta vez não há golpes de Estado, chapéus de chuva búlgaros ou troca de espiões.

Sejamos práticos. A censura é uma estupidez e um dos maiores sinais de desorientação e fraqueza. O que alguns países e empresas estão a fazer ao WikiLeaks e ao próprio Assange é totalmente ineficaz, lembra o pior do mundo e dá a entender que algo de tenebroso ainda pode ser revelado.

Também as opiniões sobre a qualidade do jornalismo praticado pelos órgãos de comunicação que têm divulgado as fugas são interessantes, mas discutíveis. Não é verdade que esses jornais sejam apenas correias de transmissão do WikiLeaks; existem equipas a trabalhar e a confirmar o que publicam. Mas tornou-se moda catalogar o que não gostamos como ‘não jornalismo’. Peço desculpa, mas a verdade é que nas sociedades abertas não há um só critério para jornalismo. Há múltiplos e de alguns deles não gostamos. Eu posso dizer que há por aí muito de que não gosto.

O mundo da política e da diplomacia ocidental reagem, como uma pessoa apanhada em público de roupa interior, com um misto de agressividade e vergonha, às revelações de telegramas diplomáticos. Porém, aqueles que – como o cidadão comum – estão distanciados desse mundo podem dizer-lhes, sem medo de errar, para terem calma. Tirando um ou outro pecado, um ou outro abuso ou mesmo alguns crimes menores, o que o WikiLeaks revelou até agora é um mundo bastante mais decente do que já foi – pelo menos deste lado do hemisfério.

Imaginemos uma fuga destas há 30, 40 ou 50 anos. Cuba recebia secretamente mísseis da União Soviética, tanques invadiam Praga, espiões utilizavam chapéus de chuva para matar rivais; espiões eram regularmente trocados no ‘checkpoint Charlie’, em plena Berlim dividida; pequenos países como Granada eram invadidos, presidentes eleitos como Allende eram derrubados, e na América Latina como em África digladiavam-se os países desenvolvidos em esquemas que hoje em dia só conhecemos dos filmes.

Onde estão os assassínios? Onde estão as invasões de países? Onde estão os esquemas tortuosos de apoio a terroristas para combater países terceiros? Onde ficou o apoio a guerrilhas mais ou menos inventadas para minar o poder estabelecido de um país? Onde encontrar ditadores como Mobutu ou Bokassa que gozavam da proteção política e diplomática de grandes potências? Onde está o beneplácito que a França dava à ETA? Onde estão os complexos esquemas da ‘pérfida Albion’?

Comparado com o que foi, o mundo está bem melhor. Podemos distender-nos, relaxar-nos e dizer aos nossos filhos: “Sim, são uns hipócritas porque são civilizados. Antes disso eram uns assassinos”.

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