A verdade sobre o deficit americano
Será preciso aguardar pela revelação de todos os detalhes para se ter uma noção mais clara sobre o acordo que irá permitir a Casa Branca evitar um calote que chegou a assombrar o planeta nas últimas semanas. Mas já é possível compreender qual eram as verdadeiras questões em jogo.
Você pode até acreditar que o debate em torno do déficit envolve graves questões ideológicas entre políticos partidários de um Estado mínimo e um mercado forte, contra aqueles que seriam favoráveis a um estado forte e um estado minimo. Facilita a conversa, permite argumentos de senho franzido e ar professoral, mas esconde o principal.
A teoria poderia até ter seu fundamento se combinasse com a realidade. Mas não é assim.
O déficit americano não cresceu porque o governo de Barack Obama aumentou suas receitas e prejudicou o contribuinte. O total de taxas e impostos colhidos pelo Tesouro atinge o patamar de14,8% do PIB, nível que é o mais baixo dos últimos 50 anos nos EUA e um dos menores do mundo entre os países desenvolvidos.
A realidade é que poucos presidentes se mostraram tão ciosos em fazer o discurso teórico sobre controle de gastos do Estado como o republicano George W. Bush, o antecessor de Barack Obama. Na prática, o déficit americano atingiu um patamar recorde em função de uma estratégia esquizofrenica produzida no mesmo governo.
De um lado, Bush promoveu dois cortes vigorosos nos impostos, que abriram belos rombos no orçamento. Ao mesmo tempo, lançou o país em duas guerras bilionárias, que elevaram a coluna de despesas. Com receio de perder a popularidade que os conflitos militares proporcionam, evitou pedir sacrificios a população e empurrou a conta com a barriga.
O resultado está aí.
Nos anos anteriores a posse de Bush, os EUA contemplavam outro horizonte. A maioria dos estudiosos da economia americana no período de Bill Clintonm democrata, julgavam que o país estava às vésperas de alcançar um superavit de 5,4 trilhões de dólares em suas contas. As previsões diziam que a partir de 2009 o país já não teria um dólar para pagar.
A crise dos derivativos e das hipotecas de segunda linha mostrou que a saúde da economia não era tão sólida como parecia. A profunda desigualdade da sociedade americana cobrou sua conta na economia.
Obrigados a procurar clientes de casas novas junto a fatia da população com salário baixo, emprego inseguro e pouca proteção do Estado, os gigantes de Wall Street montaram o castelo de cartas que iria desmoronar nos anos seguintes,
quando boa parte dos pequenos devedores ficou sem condições de pagar seus empréstimos.
Incapaz de enfrentar as distorções do mercado, por fidelidade à sua visão sobre a economia de mercado, Bush assistiu à quebra do Lehman Brothers de braços cruzados. Sua equipe economica julgava que era preciso dar uma lição em investidores que correram riscos demais — ignorando que a partir de então atiravam o mundo num precipício do qual poucos conseguiram salvar-se até agora.
O que está em jogo, hoje, é um conflito político, às vésperas da campanha presidencial de 2012. Sem um candidato viável para enfrentar Barack Obama — um presidente inteiramente destituído de seu carisma de 2008 — o partido Republicano joga no quanto pior melhor para tentar improvisar um concorrente.
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