Não se enganem, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, calculou milimetricamente a pauta de seu encontro “off the record” com âncoras da TV americana na semana passada. Obama passou dez minutos discutindo o artigo “Não enfraqueça: o mito do declínio americano” de Robert Kagan, o historiador neoconservador que é um dos assessores do candidato republicano Mitt Romney para política externa. O democrata discutiu Kagan parágrafo por parágrafo, como descreve o blog “The Cable” da revista “Foreign Policy”.
O artigo, da revista “The New Republic”, é baseado no livro que o scholar da Brookings Institution lança dia 7 de fevereiro, “The world America made” (O mundo que a América fez, em tradução livre). No livro e no artigo, Kagan refuta a tese em voga de que o declínio do poder americano é inexorável.
E Obama se faz valer de Kagan para rebater as acusações de Romney, que o presidente americano estaria conformado com o suposto declínio do poder dos EUA no cenário mundial e que passa seu mandato se desculpando diante de líderes internacionais.
Em um debate em dezembro, Romney disparou: “Nosso presidente acha que a América está em declínio. Estará em declínio se ele for presidente, não se eu for.”
Em seu programa de governo de política externa, Romney afirma: “Uma perspectiva vem ganhando força nos altos escalões do governo Obama: considerar os Estados Unidos uma potência em declínio. Essa decadência é vista como inexorável, e uma condição que, em vez de ser revertida, deve ser administrada para o bem global.”
Durante a campanha, Obama chegou a ser visto carregando o livro de Fareed Zakaria, “The post-american world”. A photo-op fazia parte da mensagem de multilateralismo que ele queria passar. Mas agora, diante das críticas dos republicanos, ele quer se afastar do formulador da “ascensão do resto” e polir suas credenciais de grande devoto de uma longeva hegemonia americana (TIRAR excepcionalismo americano).
Em seu discurso do Estado da União, o presidente democrata afirmou: “A renovação da liderança americana pode ser sentida através do globo.” E prosseguiu: “As coalizões que montamos para garantir a segurança de materiais nucleares, até as missões que lideramos para combater fome e doenças, os golpes que desferimos contra nossos inimigos e o poder duradouro de nosso exemplo moral demonstram: a América está de volta. Quem disser que a América está em declínio, não sabe do que está falando.”
O artigo de Kagan na “New Republic” é muito interessante.
Ele argumenta que os EUA já passaram por vários períodos tão difíceis como o atual, sem, no entanto, perder seu posto de potência global. E alfineta Thomas Friedman e Michael Mandelbaum, que escreveram o livro recente “That used to be us”. “Muitos dos comentários sobre a decadência americana se apoiam em análises frouxas”, escreve Kagan.
Ele começa seu ensaio dizendo: “Os Estados Unidos estão mesmo em declínio, como muitos parecem acreditar nos dias de hoje? Ou os americanos estão correndo o risco de cometer suicídio preventivo de superpotência, por um medo equivocado de seu poder estar em decadência?”
Nos quesitos que demonstram o poder de um país –o tamanho e a influência de sua economia, em comparação com outras potências; magnitude de seu poderio militar diante de outras nações; grau de influência política exercida no sistema internacional– os EUA não pioraram; segundo o scholar.
Segundo ele, uma recessão não configura o declínio de uma superpotência, assim como “uma andorinha não faz verão”.
“Os EUA sofreram profundas e prolongadas crises econômicas nos anos 1890, 30 e 70. Em cada um desses casos, o país recuperou e, na realidade, emergiu mais forte do que outras potências.”
A parcela que os EUA detêm do PIB mundial tem se mantido constante nas últimas quatro décadas, em cerca de 25%.
China e Índia, para Kagan, vêm crescendo a custas da Europa, não dos EUA
Em capacidade militar, os EUA continuam inigualáveis, continua ele –gastam US$ 600 bilhões por ano em defesa (sem incluir gastos no Iraque e no Afeganistão), mais do que todas as outras grades potências combinadas.
Kagan, inclusive, trata de fazer ressalvas à ascensão do Brasil, ao lado de China, Índia, Rússia e Turquia.
“A participação do Brasil no PIB mundial em 1990 era um pouco acima de 2% e se mantém no mesmo patamar hoje”, diz. “O crescimento da economia do Brasil, ou da Índia, não diminuem o poder dos EUA: as duas nações são amigáveis e a Índia é cada vez mais uma parceira estratégica dos EUA. Se o futuro competidor dos EUA no mundo é a China, então uma Índia mais rica e mais poderosa é um ativo, e não um passivo.”
Kagan discorda da tese de vários declinistas de que os EUA não conseguem mais usar seu “soft power” para fazer com que outras nações façam o que interessa a Washington, como conseguia outrora. Mas será que conseguia mesmo?
Para Kagan, há uma nostalgia falsa, uma noção romântica de que os EUA conseguiam tudo o que queriam antigamente.
Na Guerra Fria, por exemplo, houve trunfos como o Plano Marshall, a Otan e o sistema de Bretton Woods, mas também houve o enorme revés da Revolução Comunista na China, em 1949, um desastre para interesses americanos na região, “produto de forças que os EUA tentaram influenciar e não conseguiram”, como disse o ex-secretário de Estado Dean Acheson.
E ele cita vários eventos semelhantes, convenientemente esquecidos pelos apologistas das glórias passadas dos EUA.
Ele reconhece que há risco de o país estar em declínio, mas ainda não se trata de “fait accompli”. E lembra como Japão e Rússia, que estavam no caminho inevitável para substituir os EUA como superpotência, e descarrilaram.
Será que vai ocorrer o mesmo com a China?
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