Edited by Hodna Nuernberg
Quem acompanha os noticiários foi quase obrigado a acreditar que aconteceu história com a reunião da Liga Árabe no Iraque, coisa incomum só possível graças ao novo regime instalado pelos Estados Unidos e seus aliados em Bagdade.
Se houve história, foi à força. A reunião fez-se para o mundo acreditar que se o regime do Iraque é legítimo para a Liga Árabe há-de ser para o resto do planeta e para fazer crer que a situação no país é normal, embora as explosões e as carnificinas sejam diárias em todo o território.
Não houve história, houve uma farsa.
A Liga Árabe é uma organização de tal maneira invertebrada que aceitou ser cúmplice de uma manobra deste tipo?
A resposta podia ser “sim”, mas o problema é mais complexo. Na sequência dos acontecimentos que têm ocorrido no mundo árabe não é fácil encontrar uma plataforma entre os 22 Estados membros. É muito mais simples estabelecer acordos em torno de posições oportunistas que assegurem relações convenientes com quem manda no mundo.
A volatilidade de posições na Liga Árabe dá à presidência da organização um protagonismo que nunca teve. O cargo é agora desempenhado pelo Qatar não graças ao sistema de rotatividade que vigora na Liga, mas em função do poder económico, logo político. A presidência foi comprada pelo Qatar por 400 milhões de dólares à Autoridade Palestiniana. O Qatar representa tudo o que é hoje dominante num mundo árabe em convulsão: petróleo, muito dinheiro e ponta de lança das alianças que representam a força militar, a OTAN e a sua filial regional, o Conselho de Cooperação do Golfo.
Ao lado do Qatar está a Arábia Saudita, potência regional determinante em processos transformadores que têm o dedo dos Estados Unidos e de Israel, seja no Iraque, na Líbia, no Líbano, na Síria. É importante reter que hoje só não existe um cessar-fogo na Síria para dar espaço ao plano de Kofi Annan porque os grupos armados pela Arábia Saudita, Qatar e Turquia, membro da OTAN, provocam conflitos que obrigam o regime a responder.
A partir destas circunstâncias são fáceis de perceber as razões que levaram o Qatar a agendar a cimeira da Liga Árabe para Bagdade. O Iraque renovado, embora em convulsão permanente, profundamente dividido e governado por um executivo telecomandado de Washington, é o exemplo dos regimes primaveris e democráticos que os países do Golfo, todos eles monarquias ditatoriais fundamentalistas, pretendem apresentar como faróis de uma nova era. A verdade é que, como veremos, podem dar-se ao luxo destas aberrações porque os senhores do mundo vão comer-lhes à mão – fica melhor beber-lhes à mão porque se trata de um líquido, petróleo – para poderem continuar
a sê-lo.
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