Ninguém esperava que o candidato republicano à Casa Branca, Mitt Romney, conseguisse suplantar ou simplesmente replicar o sentimento de entusiasmo, inspiração e dramatismo que o seu antecessor John McCain ofereceu às bases conservadoras da América quando apresentou a então governadora do Alasca, Sarah Palin, como candidata à vice-presidência dos Estados Unidos, em 2008.
Ainda assim, a selecção do congressista do Wisconsin Paul Ryan para o ticket republicano não deixa de ser uma aposta quase tão arriscada e surpreendente como a promoção de Palin. E seguramente terá consequências políticas bastante mais duradouras para o movimento conservador e para a política norte-americana do que a meteórica ascensão – e quase inevitável declínio – da popular e populista personagem proveniente do Alasca.
Ryan, que tal como Sarah Palin, é um dos políticos mais queridos do movimento Tea Party, é considerado, ao contrário da ex-governadora, como um rigoroso e competente estudioso dos grandes temas e dossiers políticos na ordem do dia do Congresso americano — as necessárias reformas no sistema dos chamados entitlements (fundamentalmente a Segurança Social e Medicare) e as questões fiscais, ou seja, o binómio impostos/défice. O facto de o colunista do New York Times e prémio Nobel da Economia Paul Krugman discordar dessa interpretação só confirma a premissa.
Logo aqui, duas perplexidades: a definitiva viragem à direita e colagem da candidatura republicana à facção mais radical que tomou conta do movimento conservador (aqueles que, na legislatura, recusaram qualquer compromisso bi-partidário) e a desistência de abordar outros temas (e consequentemente de apresentar ou discutir soluções) para além da questão do défice. Normalmente, os candidatos distribuem os ovos por vários cestos, mas a estratégia dos republicanos é simplesmente diabolizar toda a política de Obama que, segundo a sua cartilha, terá contribuído para fazer crescer o Estado e a sua intervenção na economia, condicionar a actividade dos empresários e empreendedores, aumentar o défice e sobrecarregar os contribuintes.
De certeza que a decisão da equipa de Mitt Romney foi cuidadosamente tomada e fundamentada em numerosas sondagens e cálculos políticos. É impossível não acreditar que os números mostram que uma campanha “severamente conservadora” (como Romney se descreveu na conferência CPAC) permitirá mobilizar o eleitorado republicano constituído por uma amálgama de conservadores fiscais e sociais, bem como falcões e corporações.
Mas ao radicalizar a sua plataforma, a campanha republicana assume o enorme risco de oferecer o centro ao seu adversário democrata, permitindo ao Presidente Barack Obama um ajustamento programático e retórico no sentido da moderação – um ajustamento fundamental para a conquista do maior prémio eleitoral: o voto dos independentes e dos indecisos, que as sondagens indicam estarem desiludidos ou frustrados com o Presidente.
E se a atracção dos independentes pelos republicanos parece ficar comprometida, o que dizer então de grupos como os latinos, as mulheres e os reformados, que compõem três dos maiores blocos eleitorais? Ou os jovens, que em 2008 saíram da sua tradicional letargia para votar em Obama? No Congresso, Paul Ryan votou contra todas as propostas relativas à reforma da imigração, contra todas as leis relativas ao aborto (incluindo nos casos de violação e incesto) e o debate sobre os efeitos da sua proposta orçamental sobre os programas que beneficiam os reformados promete. Quanto mais estes temas forem explorados — pela imprensa e pela campanha democrática — pior para os republicanos. Ou se calhar não.
Mas há outras “perplexidades” suscitadas pela escolha de Paul Ryan. Uma delas tem a ver com a gestão da imagem e o equilíbrio do “ticket” republicano. É difícil entender Romney e Ryan como complementares, no sentido em que as fraquezas de um possam ser compensadas pelos pontos fortes do outro.
Uma das debilidades de Mitt Romney nos meses que já leva de campanha é que ainda não conseguiu demonstrar ao eleitorado (convincentemente) qual é o seu projecto político. O candidato é ostensivamente omisso na explicação das suas propostas e é constantemente apanhado a fazer flip-flopping, o pecado capital da política americana que consiste em mudar de opinião.
Não se percebe, por isso, que tenha optado por um parceiro que é visto como um potencial guru em termos de definição de policy para os conservadores, relegando para segundo plano a sua própria produção política. Por norma, cabe ao candidato à presidência, e não à vice-presidência, a autoria dos grandes planos – no caso desta campanha, o que se discute é a proposta orçamental de Paul Ryan, com tudo o que ela implica de cortes em serviços e benefícios prestados pelo Estado federal. Um potencial problema é que, segundo as sondagens, as ideias de Ryan não são especialmente populares.
Mas paradoxalmente, essa é também uma das grandes virtudes da selecção de Ryan. Apesar da imprensa norte-americana já ter desqualificado o efeito da sua entrada na corrida, a sua escolha permite enquadrar os próximos meses de campanha de forma totalmente diferente: será agora um verdadeiro confronto ideológico, em que duas plataformas opostas defendem papéis inteiramente diferentes para o Governo do país. De um lado, os republicanos que levam quase ao extremo o seu credo de “menos Estado” na vida das pessoas. E do outro, os democratas que querem manter (e até aumentar) a rede de protecção do Governo federal.
Com a aposta em Ryan, a política externa desapareceu da campanha, mas não vai ser por causa disso que a eleição vai ser menos interessante.
Rita Siza
Leave a Reply
You must be logged in to post a comment.