Barack Obama, Syria and Hollywood

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A possibilidade de uma intervenção militar dos EUA na Síria surge-me como algo de tão simbolicamente inquietante quanto politicamente inútil. Não estou isolado, como é óbvio, mas se o refiro assim, de entrada, é também para solicitar ao leitor que não se precipite e não veja nestas linhas qualquer cumplicidade com o antiamericanismo primário que, induzido por um certo imaginário de esquerda, circula nos media como fogo posto, permanentemente reacendido e empolado. Acontece que, para além da teia político-diplomática que está em jogo, a discussão daquela possibilidade envolve também algumas componentes reveladoras do mundo de imagens em que vivemos e, mais especificamente, daquilo que pode ser objeto de exposição ou matéria de ocultação.Exemplo simples, porventura rudimentar, mas muito sintomático, está no modo como (não) foi noticiada a posição de uma figura tão planetária como é Madonna. Há poucos meses, quando ela expressou o seu apoio a Barack Obama, tatuando a palavra “Obama” nas suas costas nuas (em alguns espectáculos da digressão “MDNA”), a estupidez jornalística aliou-se à violência machista, proclamando que a senhora se limitava a encenar mais um golpe publicitário… Entretanto, na última quinta-feira, Madonna colocou no seu Instagram (instagram.com /madonna) uma imagem em que se lê: “EUA, fiquem fora da Síria! Pela segurança da humanidade.” E estamos todos à espera que os militantes anti-Madonna façam o favor de mostrar alguma decência democrática e, ao menos, deem a notícia.Para além de peripécias deste género, há questões de fundo muito perturbantes que decorrem do efeito que, segundo algumas personalidades, pode envolver, neste caso muito concreto, uma posição contra as opções da Administração Obama. Sinais disso mesmo encontram-se nas declarações de Ed Asner e Mike Farrell a The Hollywood Reporter, importante publicação da comunidade do entertainment. Asner e Farrell estão longe de ser figuras marginais, desde logo através de lendários papéis televisivos, respetivamente nas séries Lou Grant (1977-82) e MASH (1975-83); mais recentemente, Asner deu voz ao velho aventureiro do desenho animado Up (2009), produzido pela Pixar.Para além de defenderem a ação da comunidade internacional (EUA incluídos) contra os crimes do regime de Bashar al-Assad, a sua posição reflete uma paradoxal contenção. Diz mesmo Asner, referindo–se, antes do mais, a Hollywood: “Há muitas pessoas que não se querem sentir antinegros [antiblack] por se assumirem contra Obama.”Eis um exemplo perverso do valor da iconografia: por um lado, determinada imagem (um negro na Casa Branca) possui um fortíssimo valor simbólico, contagiante e libertador; por outro lado, essa imagem pode funcionar como limitação da própria complexidade da reflexão política. Decididamente, o mundo não é a preto e branco.

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