The American Friend’s Request

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Há países que, por razões que a própria razão desconhece, se sentem predestinados a ter o poder de interferir nos assuntos dos outros, como se isso fosse uma legitimidade democrática absoluta obtida não se sabe bem como nem onde.

Ao longo da história, mas sobretudo dos últimos anos, muitos países africanos têm vindo a sentir na pele esse “ferrão” com que determinadas potências internacionais querem marcar as vítimas dessas suas influências, num jogo de posse que atenta contra a própria democracia.

O caso mais recente aconteceu com uma posição pública e recentemente divulgada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, que exige ao Presidente do Egipto que intervenha pessoalmente numa decisão dos tribunais, que acabam de condenar a três anos de prisão outros tantos jornalistas que haviam sido detidos sob acusações de estarem a apoiar uma organização que o país considera ser terrorista, neste caso concreto a irmandade muçulmana.

Para o caso, não importa esmiuçar as razões que levaram à detenção daqueles três jornalistas e muito menos discorrer se as acusações que lhes foram formuladas têm uma substancial prova documental.

Aquilo de que vale aqui sublinhar é tão simplesmente o facto de os Estados Unidos, mais uma vez, não terem resistido à tentação de querer forçar o Presidente de um outro país soberano a interferir numa decisão de um poder interno independente, como é a justiça, cujas deliberações teriam que ser por todos aceite, inclusive pelo mais alto maigstrado da nação.

O que parece ficar claro em sequência desta atrapalhada imposição feita pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos é que a sua vontade se tem, forçosamente, que sobrepôr às leis e aos desejos dos outros países, alinhando-a de acordo com a sua estratégia, seja ela qual for. Esta inadmissível interferência directa num assunto que apenas diz respeito à justiça e ao povo egípcio é por muitos considerada uma atrofiada demonstração de superioridade moral e política em relação a um país com uma história de vontade e de determinação que deveria ser devidamente respeitada.

E esse respeito deveria ainda aumentar mais quando o país que tenta minimizar a importância e o funcionamento das suas instituições é o mesmo onde ainda é aplicada a pena de morte e no qual muitos cidadãos são evergonhadamente libertados ao fim de mais de 20 anos de reclusão por crimes que depois se comprova não terem cometido.

O mesmo país que deixa dramaticamente impunes polícias que só pelo facto de terem assassinado a sangue frio cidadãos afro-americanos permanecem em liberdade e que olha impávido mas cada vez menos sereno para uma lei que permite que jovens menores de idade vão a uma loja comprar armas com as quais depois matam quem tem o azar de se cruzar no seu caminho.

Trata-se, também, do mesmo país cujos mais altos dirigentes apoiam declaradamente e apertam a mão a líderes de reconhecidos regimes onde os direitos humanos não valem um dólar furado, como é o caso da Arábia Saudita, por exemplo, mas que depois exigem “exemplos detransparência e boa governação” para dignitários africanos eleitos e respeitados pelo seu povo.

O mesmo país, ainda, que descaradamente usa organizações da sociedade civil como máscara para atentar contra a ordem interna dos países que querem vergar ao peso dos seus interesses, sem se importarem com as posteriores consequências que daí resultam.

A situação humilhante a que submeteu Cuba por este país ter tido a coragem de dizer “não” às suas imposições só é comparável ao apoio que ao longo dos anos foi dando a grupos rebeldes que contestam governos legitimamente eleitos pelos seus povos, colaborando e fomentando, dessa forma, prolongadas guerras que limitaram as possibilidades de desenvolvimento desses países, ceifando a vida a centenas de milhares de pessoas.

Fica pois claro que um país que tem este tipo de comportamento no seu relacionamento com outros estados é apenas merecedor de uma enorme desconfiança, nem podendo, pelo modo repetido como se distingue, beneficiar da dúvida que habitualmente é dada a quem assume posições que, no mínimo, podem ser entendidas como menos ponderadas ou mesmo atabalhoadas.

Voltando ao caso concreto do Egipto, mesmo que o Presidente al-Sisi quisesse (ou eventualmente queira) usar agora dos seus poderes para alterar os efeitos práticos da sentença judicial aplicada aos três jornalistas, a verdade é que tudo fica muito mais complicado depois da posição publicamente assumida pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos.

O próprio Presidente egípcio fica colocado numa situação demasiado exposta, pois se aplicar uma eventual amnistia vai carregar sempre consigo o peso pouco confortável da suspeita de se ter vergado a mais uma humilhante imposição do “amigo americano”.

Se, pelo contrário, daí lavar as mãos e deixar a sentença correr pode ser igualmente acusado de nada ter feito somente para não ser conotado com a imposição emanada do Departamento de Estado norte-americano, o que também constitui um desagradável sinal de fraqueza.

De uma forma ou de outra, a posição do Presidente egípcio é particularmente desconfortável e em nada ajuda os esforços que ele está a fazer para dar de si e do Egipto uma imagem de completo engajamento com a democracia.

Afinal de contas, é caso para dizer que com amigos como este o Egipto e o seu Presidente não precisam de ter mais inimigos.

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