Paris and the Rubicon

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Paris e o Rubicão

França carece dos meios militares para cumprir a promessa solene de destruir o Estado Islâmico

O 13 de novembro de Paris foi a travessia de um Rubicão. Na sequência dos atentados contra o avião russo no Sinai e os bairros xiitas de Beirute, os ataques à capital francesa assinalam uma transição irreversível: o Estado Islâmico (EI) mudou sua natureza. No lugar de, apenas, um movimento territorializado, que busca erguer um califado jihadista no Oriente Médio, surge uma rede terrorista capaz de coordenar operações em qualquer lugar do mundo. Nas águas do Rubicão atravessado, boia o cadáver da estratégia de contenção do EI. Hoje, sabe-se que a única resposta efetiva ao desafio é privar os jihadistas de sua base territorial, por uma ofensiva terrestre decisiva como a empreendida no Afeganistão, em 2001. Barack Obama, contudo, descartou explicitamente essa opção, cuja viabilidade depende da liderança americana.

A contenção era, originalmente, uma estratégia apropriada. O EI mudou de natureza porque estava perdendo a guerra. Sua pulsão ofensiva estancara de encontro aos diques formados pelos xiitas do Iraque, ao sul, e pelos curdos do Iraque e da Síria, ao norte. Nos últimos meses, sob o impacto dos bombardeios aéreos e das contraofensivas curdas e xiitas por terra, o território do califado reduziu-se em cerca de um quarto. A série de atentados que culminou em Paris destina-se a alterar o cenário e, assim, intensificar o recrutamento de soldados do terror.

“Choque de civilizações” — eis o objetivo dos atentados. Os jihadistas semeiam o medo para colher a islamofobia. Querem que as nações europeias fechem suas fronteiras aos refugiados muçulmanos e crismem seus cidadãos muçulmanos como suspeitos. Na França, em particular, pretendem impulsionar a candidatura presidencial de Marine Le Pen, da Frente Nacional, para traçar uma fronteira de sangue entre “franceses apóstatas” e “muçulmanos puros”. Não é fortuito que o comunicado do EI reivindicando os atentados defina Paris como a “capital dos prazeres e da prostituição”. Quando o ex-presidente Nicolas Sarkozy sugere colocar tornozeleiras eletrônicas em milhares de jovens muçulmanos que não respondem a acusações específicas, o EI comemora um triunfo na sua campanha de recrutamento.

“Guerra total”, anunciou o presidente François Hollande, enquanto seu primeiro-ministro Manuel Valls comprometia a França com o objetivo de “destruir o EI”. O governo francês não podia dizer coisa diferente, pois a ausência de uma resposta dramática aprofundará as tensões, já dilacerantes, que atravessam a sociedade francesa desde o massacre do “Charlie Hebdo”. Mas a França carece dos meios militares para cumprir a promessa solene. É por isso que, no intervalo do luto nacional, enquanto ordena bombardeios aéreos quase apenas simbólicos contra Raqqa, Hollande cumpre um roteiro de encontros em Washington e Moscou. A antiga potência europeia precisa articular uma coalizão internacional disposta a empreender a “guerra total” de erradicação do califado.

Obama falou sobre a comunhão histórica de valores que conecta os EUA à França, e as cores francesas acenderam-se no One World Trade Center, em Manhattan. Entretanto, abaixo da superfície, trava-se uma amarga disputa entre Hollande e Obama. Perante a Assembleia Nacional, o presidente francês invocou uma cláusula do tratado da União Europeia que consagra o princípio da defesa coletiva. A cláusula, jamais antes utilizada, menciona o célebre artigo 5 do tratado da Otan, que qualifica um ato de guerra contra qualquer integrante da aliança como agressão contra todos. Cuidadosamente, mas à luz do dia, a França pressiona os EUA, clamando por uma ofensiva terrestre.

Hillary Clinton, a provável candidata democrata à Casa Branca, distinguiu sua posição da de Obama, declarando que é hora de evoluir da “contenção” para a “destruição” do EI. Porém, cautelosamente, ela indicou que a ferramenta seria uma coalizão de potências regionais apoiadas pela ação aérea das potências mundiais. Isso, Hillary sabe, não acontecerá, pois a presença do EI serve, de algum modo, aos diferentes atores regionais. Os jihadistas fustigam o regime sírio e o governo xiita do Iraque, o que interessa à Arábia Saudita e à Turquia. Por outro lado, a ameaça do EI oferece uma réstia de legitimidade à tirania de Assad, na Síria, e um álibi para o envolvimento do Irã nos assuntos iraquianos. Finalmente, o combate limitado ao califado assegura aos curdos a assistência militar americana.

Na Coreia, em 1950, as forças lideradas pelos EUA operaram sob a bandeira da ONU. O precedente serviria como modelo para uma coalizão das potências mundiais destinada a erradicar o califado. Mas, desta vez, a Rússia figuraria como componente fundamental da coalizão, um estatuto garantido pela intervenção militar de Moscou no conflito sírio. A hipótese exige a implementação concomitante do plano de pacificação da Síria, nos moldes propostos por Moscou — ou seja, sem a eliminação imediata do regime de Assad. O blefe de Vladimir Putin na Síria seria premiado duas vezes, pelo acordo de transição política na Síria e pela presença de tropas russas na Síria e no Iraque. A França teria a “guerra total” que não pode travar sozinha. E a Europa veria uma luz no fim dos longos túneis da crise dos refugiados e da perene ameaça de atentados terroristas coordenados a partir de uma base territorial.

O obstáculo encontra-se nos EUA. A superpotência indispensável gira seu foco estratégico para a Ásia, engajando-se no objetivo de longo prazo de contrabalançar a influência chinesa no Oriente. Por isso, Obama elevou o compromisso de não engajamento de forças terrestres num novo conflito no Oriente Médio à condição de pilar de política externa americana. São, contudo, decisões adotadas antes do fatídico 13 de novembro. Elas não resistiriam à reprodução da carnificina de Paris em Londres, Nova York ou Washington.

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