Do milionarismo de Trump à filantropia de John Morgan
Entre 1943 e 1963 operou-se nos Estados Unidos uma revolução industrial de ritmo mais veloz do que a de qualquer outro país no mundo.
Os estudiosos concluíram, em 1963, que a revolução na vertente industrial transformou os estratos sociais norte-americanos a uma escala nunca sonhada: 60 por cento das tarefas desempenhadas em 1963 nem sequer existiam quando da Primeira Guerra Mundial. Optimista “inesperado”, James Boggs manifestou a seguinte convicção: “Nos Estados Unidos, mais do que em qualquer outro país, as revoluções nos métodos produtivos fizeram-se com mudanças na composição e no viver das classessociais”.
Chegados, há pouco, a 2016, poderão em alguma medida ferir a nossa atenção alguns indicadores do que vem ocorrendo nos Estados Unidos, desde 2006, mais ou menos. Ou desde a implementação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), que associa os “States” aos vizinhos México e Canadá. Em primeiro lugar, a liberalização das importações – de acordo com o estamento do TLCAN –teve consequências pouco ou nada convincentes: aumentaram as exportações, mas os salários e as condições de vida pioraram, principalmente no México. (O Canadá, em 2008, rejeitou a maioria dos mais de cinco mil mexicanos que ali pediam asilo para fugir à violência política e à insegurança gerada pelo narco e por bandos de sequestradores). Em 2006 já os Estados Unidosestavam a passar por uma recessão económica que, como se esperaria, passou a afectar também o México e o Canadá.
A interdependência regional, como se vê, não pode ser escamoteada. Tão pouco dados como a actual composição do mundo rural nos Estados Unidos: não devem ter mudado os índices de 2010, significantes de que o mundo rural no país de Donald Trump vem representando apenas 16 por cento da população do país. Outro dado preocupante para o Canadá e os Estados Unidos: o envelhecimento da população. O fenómeno explica a flagrante diminuição da mão-de-obra, um caso de escassez disfarçada pelos imigrantes idos… do México e de outros pontos da América Latina. A Casa Branca chegou mesmo a implementar, em 2007, o programa “Mais Jovens no Campo e nas Florestas”. O Banco Mundial, entretanto, salientou a “desigualdade nos rendimentos”, ou pior, lembrou os 12 por cento da população dos Estados Unidos em situação abaixo do limiar da pobreza. Isso não impediu que os demagogos – e a cultura da celebridade e das revistas e televisões ilustrativas de uma vida fácil para todos –mantivessem, até hoje, a possibilidade de colocar na Casa Branca republicanos de extrema-direita como Ronald Reagan ou George W. Bush, entre outros.
Não se estranhe, pois, o voo de águia truculenta de Donald Trump, cuja cultura ultramontana da milionocracia, dos grandes negócios e do autorismo selectivo não se assemelha, minimamente, à dos clássicos grandes empresários norte-americanos de finais do século XIX. Homens como Thomas Edison, inventor da luz eléctrica, da lâmpada e do gramofone, ou Andrew Carnegie, produtor de aço, John David Rockefeller, fundador de refinarias de petróleo e da Standard Oil, Henry Ford, destacado fabricante de automóveis e, muito, muitíssimo em particular, John Pierpont Morgan, vulgo J.P. Morgan, considerado o maior banqueiro da História.
Ao tratar-se do barro ou argila da vida, faz até “impressão” escrever o nome de J.P. Morgan num texto em que figura também odo furibundo milionaristachamado Donald Trump, candidato à sucessão de Barack Obama. Por contraste, negativo e humilhante para Trump é a pedagogia que fez do chamado maior banqueiro da História, John Pierpont Morgan, um filantropo capaz de arriscar os seus cabedais em horas de altíssimo risco económico nacional. Morgan, filho de outro banqueiro, fundou o seu banco privado em 1871 e tornou-o tão poderoso que até mesmo o governo dos Estados Unidos, na época ainda com o banco central por fundar, durante a depressão de 1895 teve de recorrer à “fortaleza” creditícia erguida pelo também célebre e primoroso coleccionador de arte. De resto, J.P.Morgan evitou vários colapsos económicos ao criar programas de emergência para “salvar a pele do Tio Sam”. Ele faleceu, em 1913, aos 75 anos.
A herança moral que Morgan personifica não se revê nos Estados Unidos de James Boggs, que na década de 1960 observou no país, com excitação ideológica comparável à de Trump, o último suspiro do movimento operário norte-americano. Sentenciou ele, então: “Perante os ajustes sociais e ideológicos que são necessários para a adequação às mudanças revolucionárias operadas na tecnologia, o sindicalismo organizado é hoje (1960-1965) tão reaccionário como o era o capital organizado trinta anos atrás. O motivo fundamental”, prossegue o divaganteBoggs, “é que o sindicalismo organizado continua aferrado à ideia de que o homem deve trabalhar para viver, numa época em que já se torna perfeitamente possível que os homens não tenham senão que estender a mão para procurar o que precisam”. James Boggs, afro-americano, como activista social esteve em muitas frentes, mas tinha uma visão dos Estados Unidos pateticamente mirífica. É pena que ele tenha morrido, já (1993), gostaríamos de vê-lo comentar a ideia de que nos dias de hoje “os homens não tenham senão queestender a mão para procurar o que precisam”.
As campanhas e as eleições nos Estados Unidos – a actual campanha é o reflexo da não resolvida diversidade racial do país e do seu futuro demográfico –sequestram ou escondem muita coisa nos espaços geofísicos considerados “de periferia” pela Casa Branca. Assim, na enfraquecida Europa, disparam-se ordens para mais austeridade onde os nacionais carecem de casa e hospital e, no mundo laboral que hoje o mesmo Boggs certamente esquivaria, o recibo verde, o salário baixo ou mísero e o despedimento fácil apadrinham a multiplicação milionarista dos donos das “grandes superfícies” de enlatados e mixórdias. Atenção, pois, ao que representa Donald Trump.
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