Se o 11 de Setembro não tivesse ocorrido nos Estados Unidos, se a Al-Qaeda tivesse optado por outra estratégia, se a segurança americana tivesse sido capaz de prevenir os atentados, estaríamos hoje onde estamos, em termos de segurança coletiva?
O mundo kiplinguiano dos ses é tão fascinante quanto inútil. Apenas forjei algumas variáveis para sublinhar o grau de imprevisibilidade da situação internacional, a qual, contudo, não evolui no vazio: as tendências vão-se sedimentando e prevalecem, independentemente de serem potenciadas ou limitadas por fatores de conjuntura.
O mundo em que o 11 de Setembro se produziu estava longe de ser um mundo seguro. E, claro, não se tornou mais seguro depois dessa data. Desde logo, no Médio Oriente.
A cegueira ocidental na região vinha de longe. A Guerra Fria, a questão energética e o papel de Israel em toda a equação haviam conduzido a estratégias de compromisso dos poderes euro-atlânticos com o mundo quase medieval do Golfo, onde, recordemos, viria a germinar a Al-Qaeda. É dali que sai Bin Laden, que encontra nos talibãs, que o Ocidente financiara para a afastar os soviéticos do Afeganistão, a sua principal base de apoio.
A Guerra Fria havia “congelado” grande parte das tensões à escala global, que afloravam, em termos violentos, em zonas de confluência de poderes, em que os dois polos rivais se disputavam através de terceiros.
O Médio Oriente atravessaria esse confronto Leste-Oeste de forma singular, tendo preservado por muito tempo alguns equilíbrios que pareciam eternos.
Distraído com o conflito israelo-palestino, o mundo ocidental deu por adquirido que bastava apostar numa hábil “balança de poderes” na região para assegurar o essencial, o qual, à época, tinha apenas um nome: petróleo. Enquanto assim procedeu teve sucesso. Quando atuou de modo a romper com esses equilíbrios, o Ocidente soltou os demónios. E, por algum tempo, não viu chegar um novo modelo de revolta, dificilmente enquadrável nos padrões tradicionais. Quando acordou, era tarde.
Pode dizer-se que há duas grandes “novidades” trazidas pelo 11 de Setembro.
A primeira é a força inusitada e transfronteiriça dos atores armados não estatais.
Foi a procurada destruição de alguns Estados – do Iraque à Líbia – que deu fôlego ao proselitismo radical islâmico, em modelo de “brigadas internacionais”, também conduzidas por uma ideologia que projeta uma mundividência totalitária. Há um elemento cuja inventariação ajuda a perceber muita coisa: a natureza e a origem dos armamentos que essas forças utilizam. Sem a destruição do Iraque da Saddam Hussein, o Estado Islâmico não teria a capacidade militar que hoje tem. Sem o voluntarismo irresponsável anglo-franco-americano na Líbia, o Aqim não disporia dos meios para a sua ação instabilizadora do Sahel.
Além da cínica contabilidade regional de interesses, um dos receios confessados de Moscovo na Síria é o de que uma implosão desse país possa vir a reforçar o Estado Islâmico e provocar a dispersão de novas metástases de instabilidade, suscetíveis de contaminar o Cáucaso e o Sul da Rússia. (Um parêntesis de atualidade: olhe-se com atenção a sucessão de Karimov no Usbequistão, onde a tensão recorrente no vale de Fergana não deve ser esquecida.) A Rússia também já percebeu que pode vir a sofrer novos reflexos do atoleiro do Afeganistão, de onde, recorde-se, partiu a grave instabilidade num Paquistão nuclear. Há que reconhecer que a Rússia pode ter alguma razão neste ponto.
A segunda “novidade” radica no campo dos princípios.
O 11 de Setembro acelerou a colocação da luta contra o terrorismo no “politicamente correto” à escala global, acusando aqueles que se escudavam na não consensualização do conceito para limitarem a sua adesão ao esforço coletivo de o combater.
De caminho, a identificação de algum mundo islâmico com a disrupção, violenta ou não, da vida de muita gente, em especial na Europa, ofereceu um álibi à discriminação que permanecia numa latência envergonhada e tornou o “diálogo de civilizações” um filme de ficção para ingénuos.
É também aí que se insere a fácil rejeição do multiculturalismo, a reemergência da xenofobia, com crescente expressão partidária em sociedades políticas que a tal pareciam imunes.
Finalmente, a falência das “primaveras árabes” parece ter feito regressar as democracias ocidentais ao cinismo da real politik, à aceitação do “mal menor”, para sermos claros, das ditaduras (porém) estabilizadoras.
A nossa vida mudou com o 11 de Setembro? Se “puxarmos o filme atrás”, verificaremos que todos os principais fatores de instabilidade e rutura estavam já sobre a mesa nessa data. O 11 de Setembro potenciou-os, mas ele é também, em si mesmo, uma sua consequência.
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