Este 2016 será lembrado como o ano em que as placas tectónicas da política internacional giraram de forma significativa. “Brexit” produziu o primeiro impacto que poderá levar à desagregação da União Europeia (UE), enquanto a vitória de Trump poderá conduzir ao isolamento dos Estados Unidos, permitindo a reconstituição do império russo e o realinhamento dos países asiáticos sob o domínio da China.
O efeito dominó da saída do Reino Unido da União Europeia não será imediato. Estamos num momento de reacção e unidade, embora a relativa estagnação económica europeia exerça um forte poder de erosão. A UE poderia renovar-se se tivesse a coragem de proceder a uma saída ordenada do euro. Não parece que a Alemanha esteja disposta a prescindir de uma moeda de valor inferior ao marco. Nestas circunstâncias, a Itália será provavelmente o primeiro país a sair do euro, acelerando a crise. Caso a extrema direita chegue ao poder em França, teremos o fim da União Europeia à vista.
A vitória de Trump tem o seu paralelo na vitória do “Brexit”. Em comum estão em jogo políticas anti-imigrantes. As diferenças entre o Reino Unido e os Estados Unidos, contudo, são abissais. Enquanto no primeiro caso existe uma relativa unanimidade em favor do Serviço Nacional de Saúde, nos Estados Unidos o Obamacare tem os dias contados, estando em cima da mesa a exclusão, de novo, de vinte milhões de pobres. A redução de impostos e a redução do Estado, promovidas nos Estados Unidos, não tem eco, de momento, no Reino Unido, onde se verifica a inversão das políticas de George Osborne, como resultado do “Brexit” e das promessas de compensação face a aumentos tarifários.
O proteccionismo, claramente prometido por Donald Trump, não parece compatível com a total dependência de fluxo de capitais e a economia internacional de serviços que define o Reino Unido, onde a indústria está em queda e a produtividade é uma das mais baixas da Europa.
O ambiente xenófobo é o mais visível legado do “Brexit” e da vitória de Trump. No caso dos Estados Unidos, a linguagem de Trump autorizou a emergência da extrema direita, que estava ausente do jogo político há longos anos. Aliás, expoentes de conhecidas redes da extrema direita estiveram diretamente envolvidos na campanha eleitoral de Donald Trump. O abuso racista e sexista tornou-se agora banal, invadindo os media e pondo em cheque as conquistas sociais e culturais dos últimos 50 anos.
A eleição do primeiro Presidente norte-americano que recusou a publicação das suas declarações de impostos não prenuncia o exercício de um governo isento e sério. Os problemas do sistema politíco norte-americano, onde a legalização dos lobbies procurou enquadrar a corrupção larvar que ensombra as instituições legislativas, serão provavelmente aprofundados nesta legislatura. Os poderes estrangeiros, que conhecem perfeitamente as possibilidades oferecidas pelo sistema, tendo-as usado amplamente, terão motivos para reforçar a sua presença, já notada durante a campanha eleitoral.
Estamos numa fase adiantada de declínio do império informal americano, que ameaça a implosão do mundo ocidental. Essa implosão nada teria de dramático se democracias participativas e representativas estivessem em gestação noutras partes do mundo. Não é isso que se verifica. O ataque aos direitos dos trabalhadores irá conhecer uma nova fase num ambiente nacionalista, isolacionista e proteccionista, quando se sabe que tem sido um dos factores de estagnação do sistema económico.
Mais, é conhecido o impacto económico favorável dos imigrantes em diversos países, incluindo o Reino Unido, mas as estatísticas não se reflectem na opinião política, dominada pela competição por recursos, nomeadamente benefícios sociais, supostamente estáticos. O próprio sistema económico poderá estar em causa neste novo ambiente. Aliás, a robótica e a nanotecnologia irão provocar a curto prazo um enorme impacto no mercado de trabalho. A retracção politica a que estamos a assistir vem no pior momento, contribuindo talvez, pela ruptura que ameaça, para uma profunda reavaliação do sistema capitalista.
Professor no King’s College em Londres
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