Trumpism and the New Global Disorder

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O Mundo é um local maravilhoso e merece que se lute por ele

Ernest Hemingway

1. A ordem internacional foi criada pelos EUA sobre as ruínas da II Guerra Mundial na Europa e na Ásia e harmonizou os interesses militares, financeiros e comerciais de Washington com os dos seus aliados.

A Organização Mundial (OM) é um conjunto de normas, valores, leis e instituições que os Estados dominantes criaram para regular o funcionamento entre os diferentes Estados. O começo deste século pareceu estar encaminhado para a globalização como ideologia de uma nova OM.

Ordem que abrangia grande parte do mundo, aberta, plural, multilateral é constituída por instituições universalistas – tipo ONU – e alianças permanentes como a NATO e organizações regionais como a União Europeia (UE). E durante muito tempo esta OM com o fim da Guerra Fria e a subjacente vitória dos EUA foi alargada à escala mundial.

Neste século o possível mundo novo está ainda por compreender. Um mundo também imprevisível complexo, tirânico e conflituoso pleno de ganância – “globalização da indiferença” – e irracionalidade, que necessita ser civilizada. Todos os seres humanos merecem igual dignidade. Resta-nos a esperança na geração futura.

No período da Guerra Fria, “A guerra era improvável e a paz impossível” (Raymond Aron). E a construção da UE tornou realidade a paz durante décadas. Todavia, as coincidências assustadoras das circunstâncias, que antecederam as anteriores Guerras Mundiais, deviam ser motivo de inquietação dos líderes mundiais.

A nova OM anunciada pelo fim da Guerra Fria parece agonizante face a uma emergente desordem mundial em que proliferam as guerras de procuração e as guerras híbridas, cuja escalada poderá trazer uma guerra devastadora.

Vivemos hoje numa época em que a globalização desregulada tem vindo a provocar aumento de conflitualidade num sistema internacional em transição onde se antecipam alterações nos alinhamentos e equilíbrios geopolíticos e no ambiente de segurança com crescente instabilidade.

É também uma ordem anti-multilateralista, pois Trump privilegia as relações bilaterais. Talvez por isso tenha hostilizado a ONU, NATO e UE, chegando a considerar esta o principal inimigo e havendo sinais da intenção de provocar a fragmentação da UE, cujo objectivo também é partilhado por Putin.

E, por último estamos perante uma nova OM, que prefere uma coligação de vontades – a missão faz a coligação mesmo que implique alianças de geometria variável -, em vez de alianças permanentes como a NATO em que a coligação está preparada para diversas missões.

2. A complexidade do problema da nova OM – não representada no Conselho de Segurança (CS) da ONU -apresenta-se a quem tem de tomar decisões de cariz politico.

Nenhuma potência parece, de momento, estar capacitada para modelar a ordem. Todos os Estados mantêm, a certos níveis, uma certa liberdade de agir unilateralmente, e uma certa necessidade, obrigação ou interesse em respeitar quadros multilaterais.

Trump e Putin estão a desconfigurar a ordem global. Só unida a UE pode ser influente na definição duma nova ordem, baseada nos princípios do humanismo, da dignidade, da tolerância e da cooperação entre os povos. A nova era pós Trump, está a promover uma revolução política – sem ideologia definida que tende para a autocracia – com impacto na alteração da OM.

A política de Trump feita pelas redes sociais é anacrónica e o discurso hostil contra a imprensa é desestruturante da democracia. Por ouro lado, a imprensa – inadequadamente -tem estado a fazer de caixa de ressonância das suas políticas e insolência. Mas, por incrível que pareça, continua a ter intocável a sua base de apoio com as manobras de bastidores do fanático Steve Banon. E arrisca-se a ganhar as próximas eleições.

Trump é um narcisista e pretende sair vencedor em todas as situações mesmo que tenha de utilizar a ilusão e a ficção. Não será propriamente o “América first” mas “Trump first”. Preocupante presságio que Kisssinger classifica como muito grave.

Com o novo presidente foi encerrado o ciclo da democracia liberal. O seu discurso e acção têm evidenciado o nacionalismo exacerbado (revelando profundo desprezo pelos imigrantes apesar de ser descendente de imigrantes alemães) e o perigoso populismo – não ideológico mas oportunista -, que subverte a politica e instituições com base nas disputas etno-raciais.

A Política Internacional cada vez mais dinâmica torna o futuro bastante diferente do que pensamos. Todavia, os EUA não podem ser dispensados de um função de equilíbrio que permita orientar em paz o globalismo sem governança.

Hoje o mundo enfrenta perigos que ultrapassam as fronteiras nacionais que afectam todos, como a questão do ambiente e das alterações climáticas que não se compadece com o isolacionismo, como pretendem os EUA.

Com a globalização, a diplomacia preventiva passou a estar presente em praticamente todos os campos da actividade humana. Porém, Trump actua sozinho e não tem a noção da forma como as nações civilizadas lidam com os seus antagonismos. Isto é, não existe uma política externa coerente e credível. Há, no entanto, um padrão familiar para a política externa dos EUA de Trump – insultos e ameaças, seguido por retrocessos e uma declaração de vitória – o Trumpismo de dois passos.

A reorganização da administração Trump – que já está com olhos nas eleições intercalares – e a alteração do rumo estratégico com uma política externa errática aumenta a incerteza e imprevisibilidade confundindo os aliados.

3. O ser humano não sendo capaz de transformar a sociedade substitui os valores pela tecnologia. Sabemos o preço de tudo mas não conhecemos o valor de nada. Estamos em plena crise de valores e uma grave crise de segurança pela subversão das funções do Estado com graves crises de identidade nacional numa UE sem rumo, que necessita de uma convergência entre a economia e a política.

Nestas circunstâncias a UE sem Conceito Estratégico devia prestar atenção à falta de solidariedade transatlântica que fragiliza a aliança. É evidente que a capacidade de segurança e defesa europeias autónomas terão de ser uma realidade.

Perceber como se encontra soluções na Europa pode ser uma experiência essencial nesta desordem mundial. As acções unilaterais e proteccionismo não são soluções, porque nos levam a desligar do mundo que cada vez é mais independente. Os planos para a reforma da UE exigem acção e determinação: na regulação da economia, no fortalecimento dos mercados de capitais e na construção da União Bancária e a concepção de uma política externa comum com maior integração e cooperação no âmbito da segurança e defesa.

Com Trump surge o 1.º Presidente a por em causa esta OM, que com novas projecções e alinhamentos geopolíticos tende a transformar-se numa nova desordem mundial e ordenamento jurídico internacional. Porém, Trump só faz o que outros antes deles já defenderam. Só que na história nunca houve uma potência dominante a provocar uma guerra comercial. Estamos a assistir à decadência de uma época. E isso é perigoso.

4. Há coisas que jamais poderemos alterar: a geografia e a história dos povos. O erro histórico do Ocidente foi ignorar a Rússia com o estatuto de potência que se quer afirmar e a geografia lhe confere ao agir pela geopolítica o que faz prevalecer um arco de instabilidade que se estende da Europa ao Norte de África.

As crises, conflitos e guerras vitimam sobretudo as populações, provocando crises migratórias complexas de gerir e que estão a fragmentar a UE.

As novas tipologias dos conflitos já não se resumem à tradicional guerra entre Estados, pelo crescimento do fenómeno do terrorismo transnacional. Actualmente os EUA, com aprovação ou não do CS da ONU, são ainda o único poder, mas caminhamos para uma ordem multipolar. A longo prazo é previsível que o Brasil, Japão, Índia e outros façam parte dessa ordem.

Neste contexto, pode estar o mundo ocidental em causa face à emergência do continente asiático. Alterando-se assim o paradigma do conflito entre blocos com o Ocidente declínio.

A actual crise nas relações entre o Ocidente/NATO e a Rússia são um momento definidor de um novo relacionamento entre todos os actores políticos do espaço euro-atlântico e constitui o mais importante desafio estratégico das últimas décadas, cuja resposta não pode ser meramente política. A alteração do paradigma da confrontação pela confiança e convergência é um desafio para os estadistas.

A conjugação da arrogância e mistificação de Trump com ignorância e incompetência evidenciada é explosiva na nova desordem mundial crescente. A demonstrada substituição dos centros de poder legitimados e impotentes por centros desconhecidos mas com poder, tornaram inadiável que os organismos aos quais no fim da II Guerra Mundial foi entregue a defesa da OM sejam reformulados.

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