Em resposta às sanções de União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá contra responsáveis menores pelas violações de direitos humanos em Xinjiang, o governo da China aplicou sanções contra funcionários, diplomatas e até deputados ao Parlamento Europeu. E, não formalmente, retaliou contra algumas empresas ocidentais. Rapidamente, antigas declarações da Nike e da H&M contra trabalho forçado misteriosamente reapareceram na internet chinesa, esse mar de liberdade, e tiveram como resposta não se encontrarem produtos da loja sueca no motor de busca Alibaba, e Wang Yibo, uma das caras da marca desportiva americana, anunciar que deixava de a representar por não tolerar ataques à sua China.
Esta é uma das muitas diferenças entre a China e a União Soviética que fazem que pensar esta relação nos termos da Guerra Fria não faça sentido nem seja útil.
A URSS era uma ameaça militar iminente, um exportador de ideologia e uma quase irrelevância económica. Nem o seu modelo era de sucesso, a ponto de ser sincera e livremente replicado, nem o Ocidente estava profundamente interligado com a economia do lado de lá.
A situação, agora, é substancialmente diferente. A China não tem sido assumidamente proselitista. Embora haja quem tenha vontade de imitar o modelo, e o regime aprecie, ainda não inspira partidos, golpes de Estado ou revoluções, nem há uma internacional neo-sino-comunista que espalhe abertamente a palavra e a ideologia de Pequim. Militarmente, apesar de tensões no mar do sul da China, não paira a ameaça realista de um conflito. A não ser, claro, com Taiwan. E embora essa não seja, em rigor, uma questão com o Ocidente é, compreensivelmente, uma questão para o Ocidente.
Mas há resposta imediata e dura a críticas à China ou ao regime chinês. Pequim não lidera um bloco de aliados, mas quer dependentes que possa submeter. É isso que a diplomacia, a economia e a tecnologia chinesas promovem, tanto em África e na Ásia como na Europa. Depois de ser a fábrica do mundo, a China já é o grande mercado para muitos. No último trimestre, a Nike faturou mais na China, 973 milhões de dólares, do que na América, 970 milhões apenas. Os produtores automóveis alemães esperam o mesmo.
A consciência de que a questão com a China é completamente diferente do conflito com a União Soviética é essencial para definir como agir. Coisa que ainda não está resolvida no Ocidente. Trump achou que era tudo comércio e economia e que se resolvia sem os aliados tradicionais. Biden parece acreditar que o caminho passa por uma aliança de democracias (como se houvesse suficientes, ou cada vez mais, e em particular naquela parte do mundo). Os pensadores não estão mais resolvidos. Todos os meses há ensaios, artigos e livros sobre a relação com a China e praticamente todos dizem coisas diferentes. Que é preciso cooperar, que é preciso cortar a dependência económica, que os chineses pensam a muito logo prazo, que tarda nada haverá queixas populares, que a influência global chinesa é reduzida, que a dependência é irreversível, que é melhor assim, e por aí fora. Não há consenso nem doutrina.
No tempo em que havia escritórios, senhores doutores e telefonistas, era frequente ligar-se para alguns a pedir uma conversa ou reunião e ter como resposta que “o senhor doutor não se encontra”. Tenho um amigo que ficava sempre na dúvida sobre se não sabiam onde estava o senhor doutor ou se o senhor doutor é que não sabia onde estava. É mais ou menos o que se passa com o Ocidente em relação à China. Não se encontra e ainda não sabe como se encontrar.
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