Como a China quer abalar o dólar e o que Brasil e Argentina têm a ver com isso
Chineses têm plano maior de expandir o uso de sua moeda no mundo, que ainda é bem pequeno
O governo Lula propôs, na prática, que a Argentina pague em yuans parte de suas compras de empresas brasileiras. Parte bem miudinha. Neste 2023, os argentinos poderiam usar a moeda chinesa para bancar o equivalente a 1% de suas importações anuais do Brasil.
Por que yuans? Porque a Argentina tem uma espécie de acordo de financiamento com a China. Os bancos centrais dos dois países têm um acordo de swap bilateral (compra e venda compromissada de moedas, por prazo, taxa, quantidade e condições de uso definidas). Nos últimos meses, a Argentina paga parcelas de sua dívida com o FMI com empréstimos, entre eles o da China (pega yuans, compra dólares); quando pinga um desembolso do FMI, devolve yuans aos chineses.
A Argentina ora quase não tem reservas internacionais, caixa em moedas fortes, de aceitação global, que os governos mantêm para emergências e para estabilizar sua taxa de câmbio. Mais uma vez, está quebrada e com um acordo encrencado de financiamento com o FMI.
A Argentina faz acordos de swap com a China desde 2009. A China multiplica seus acordos de swap pelo mundo em especial desde o desastre financeiro global de 2008, a fim de conter crises em parceiros comerciais, em particular no leste da Ásia. O BC dos EUA, o Fed, também faz acordos de swap em tempos de crise braba, oferecendo dólares a fim de estabilizar mercados de aliados maiores (Brasil inclusive).
Mas a China quer ir além. Oferece financiamento para seus parceiros a fim de dar impulso a suas exportações, a seus investimentos externos e, enfim, fazer com que o renminbi seja mais usado em transações e reservas internacionais. Está longe disso, mas trabalha para diminuir o poder do dólar.
Dos US$ 11,2 trilhões das reservas internacionais do mundo alocados em moedas, 59% estão em dólar, 20% em euros, 5,5% em ienes, 4,9% em libras. Em yuans, 2,6%.
Do valor das transações internacionais que passam pelo sistema Swift, 46,5% são em dólar, 24,4% em euros, 7,6% em libras, 3,5% em ienes e 3% em yuans (valores de julho de 2023; na média do ano, em 2,4%).
O Swift é um sistema globalizado de mensagens codificado de instruções de pagamentos interbancários, propriedade de uma espécie de cooperativa de instituições financeiras ocidentais, com sede na Bélgica, e sob muita influência política americana.
A China tem sistema de uso similar, o Cips, em parte interligado ao Swift, mas com transações de apenas 2,5% do valor do concorrente americano (CHIPS). Note-se que a China faz 15% das exportações mundiais e é um dos três ou quatro países líderes em investimento “produtivo” no exterior.
Não basta. Os demais países e donos do dinheiro têm de querer yuans. Para ter aceitação internacional, é preciso que uma moeda: 1) não passe por grandes desvalorizações (a política macroeconômica do país emissor tem de ser estável); 2) seja aceita no comércio internacional; 3) possa ser aplicada em mercados financeiros grandes e seguros (como o da dívida americana ou europeia); 4) não esteja sujeita a arbítrios de controles de capitais (possa entrar e sair do país emissor com facilidade). Pelo menos.
A China tira nota baixa em alguns desses quesitos. Mas é dominante no comércio mundial; tem um projeto de ser líder em investimento externo. Além do mais, países pobres com escassez de dólares para pagar suas contas externas e parceiros da China têm tido mais interesse em usar o yuan nas transações bilaterais. De resto, a China, sua moeda e seu sistema de pagamentos, pode ser alternativa para vítimas reais e potenciais de sanções americanas (vide Rússia).
A internacionalização do yuan deve levar décadas, mas a China vem aí. Já está aqui no vizinho.
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