Yes, nós amamos a América!
O Brasil entrou numa onda arriscada de americanização e alinhamento aos EUA. Quais os benefícios e desvantagens ao País dessa nova postura
Diogo Schelp e Luisa Purchio
07/12/18 – 09h30
“Meu Deus, ajuda-me a sobreviver a esse amor mortal.” Esta é a frase que acompanha o grafite feito pelo artista Dmitri Vrubel em um dos trechos que ainda restam do Muro de Berlim, que até 1989 dividiu a cidade alemã em um lado comunista e um capitalista. O desenho mostra os ex-líderes Leonid Brejnev, da União Soviética, e Erich Honecker, da Alemanha Oriental, beijando-se na boca. A cena não foi uma invenção de Vrubel. Ela realmente aconteceu, em 1979, durante uma visita oficial do soviético ao alemão — e não se tratou de uma demonstração de afeto gay, e sim de um gesto comum entre bons amigos na Rússia. Para os alemães orientais, porém, oprimidos pelo regime comunista, o selinho simbolizou a relação de simbiose ideológica e, acima de tudo, de subserviência de Honecker com Brejnev. O desenho de Vrubel inspirou muitas outras releituras, a mais recente delas em Maracanaú, na grande Fortaleza, onde, no último dia 25 de novembro, o grafiteiro Yuri Sousa, conhecido como Bad Boy Preto, estampou um beijaço entre o presidente americano Donald Trump e o seu futuro colega brasileiro Jair Bolsonaro. A arte não durou mais do que 48 horas. Alguém se sentiu ofendido e passou uma tinta azul por cima. O censor anônimo talvez tenha pensado que o grafite questionava a orientação sexual do presidente eleito, mas a obra certamente insinua mais do que isso: assim como no caso de Brejnev e Honecker, ela captou com perfeição o verdadeiro amor que Bolsonaro e seus conselheiros mais próximos vêm expressando pelo estilo e pelos ideais trumpistas.
Assim como Trump, Bolsonaro fez uma campanha eleitoral apresentando-se como candidato anti-sistema, que não compactua com as práticas desgastadas da política tradicional. Também atropelou qualquer cuidado com princípios politicamente corretos e abraçou uma agenda conservadora nos costumes, fazendo pouco caso de questões de gênero e de defesa do direito de minorias. A exemplo de Trump, o brasileiro defendeu a liberação de venda de armas para cidadãos comuns e não se cansou de acusar a imprensa de persegui-lo. Bolsonaro também mimetizou a estratégia digital de Trump, apostando na comunicação direta com seus apoiadores por meio das redes sociais. Nas últimas semanas, ao anunciar futuros ministros pelo Twitter, ele tem dado indícios de que pretende fazer dessa também uma ferramenta de governo, da mesma forma que Trump.
Em política externa, Bolsonaro já deixou igualmente claro que pretende imitar o americano. Ele prometeu transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, cidade disputada como capital também pelos palestinos, como fez Trump em maio deste ano; anunciou a intenção de retirar o Brasil dos compromissos climáticos do Acordo de Paris, exatamente como fez Trump; desdenhou do multilateralismo de órgãos como a ONU e do Mercosul; e criticou a agressividade comercial e o avanço de investidores chineses no Brasil. Ao contrário dos Estados Unidos, ainda a maior potência mundial, falta peso político e econômico ao Brasil para se apartar tão radicalmente de certos consensos diplomáticos.
No caso da China, Bolsonaro parece estar querendo tomar partido na guerra tarifária que Trump iniciou contra a maior economia exportadora do mundo. Seu filho Eduardo Bolsonaro, eleito deputado federal com a votação mais expressiva do País, esclareceu que a guinada para uma política externa de alinhamento com os Estados Unidos será uma prioridade da diplomacia do novo governo — em detrimento da China. Ele até estabeleceu como meta voltar a ter os Estados Unidos como principal parceiro comercial do Brasil, posto que passou a ser ocupado pela China nove anos atrás, segundo ele por “motivos ideológicos” do governo petista. Eduardo é quem mais exerce influência sobre o pai em questões de política externa. Foi ele quem emplacou o nome de Ernesto Araújo, por sugestão do filósofo conservador Olavo de Carvalho, para o posto de ministro das Relações Exteriores e foi ele, também, quem fez a primeira viagem aos Estados Unidos, há duas semanas, como representante do presidente eleito junto a conselheiros de Trump.
O alinhamento automático com os interesses americanos apresenta alguns riscos importantes, ocultados por benefícios imediatos, mas efêmeros. Em um primeiro momento, a guerra comercial entre Estados Unidos e China alavancou a exportação de produtos brasileiros. Quando o governo americano exigiu novos impostos às importações de produtos chineses, o governo de Xi Jinping retaliou e o comércio entre os dois países gerou 100 bilhões de dólares em taxas adicionais. Como um grande exportador de commodities, o Brasil surgiu como uma alternativa para a China, especialmente para a compra de grãos. Em outubro deste ano, por exemplo, em comparação com o mesmo mês de 2017, os chineses dobraram a importação de soja brasileira, em toneladas.
Pior para todos
No longo prazo, porém, a estimativa é que a disputa entre os dois países prejudique a economia global, principalmente devido ao aumento do risco que ela gera — o que tem reflexos negativos primeiro em países emergentes, como o Brasil. O Itaú Unibanco, que prevê um crescimento de 2,5% do PIB do Brasil em 2019, calcula que o índice possa se reduzir 1 ponto percentual em 2019 caso a guerra comercial entre americanos e chineses se intensifique. O crescimento da economia asiática cairia de 6,1% para 4,5%.
Outro indício de que a aposta no esfriamento do comércio entre americanos e chineses pode ser efêmera apareceu no encontro do G20, o grupo dos países mais ricos do mundo, em Buenos Aires, no mês passado. Na ocasião, Trump e o presidente Xi Jinping aparentemente concordaram com uma trégua na guerra tarifária. Pelo Twitter, o americano divulgou que a China cortará as tarifas dos carros americanos importados e os Estados Unidos suspenderão por 90 dias um novo aumento nas tarifas sobre produtos chineses. “Uma vez normalizadas as relações entre Estados Unidos e China, a tendência é que o Brasil perca espaço. Por isso é importante melhorar as condições de competitividade dos produtos e não só contar com as oscilações do comércio internacional”, diz Guilherme Casarões, cientista político da FGV-SP.
Isso não significa que a aproximação com os Estados Unidos seja prejudicial. De acordo com Stuart Gottlieb, professor de assuntos internacionais da Universidade de Columbia e ex-consultor de política externa do senado americano, Bolsonaro acertou ao sinalizar logo uma aproximação com o presidente americano. “É exatamente isso que Trump quer: ele gosta de ouvir elogios, grandes coisas sobre si mesmo, de todos seus amigos e parceiros”, diz Gottlieb. O nível de bajulação, porém, terá de ser cuidadosamente medido para que a cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos não se transforme em uma relação de subserviência ou de exclusividade. “O momento internacional, com a rápida ascensão chinesa, exige cautela por parte do Brasil, que deve adotar uma posição equilibrada com relação às duas potências globais”, avalia Casarões. A proximidade do território brasileiro com o venezuelano pode ser uma boa cartada do Brasil para negociar com Trump. “Se houver um colapso político na Venezuela, os Estados Unidos não conseguirão resolver o problema sozinhos. Certamente terão de contar com a cooperação da Organização dos Estados Americanos ou de países como o Brasil”, diz Gottlieb. O futuro chanceler brasileiro Ernesto Araújo disse, recentemente, que “o céu é o limite” nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Espera-se que, ao contrário do beijo entre Brejnev e Honicker, tanto amor não seja mortal para os interesses brasileiros.
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