O velho e perigoso mundo de Trump
Existe uma franja da direita que vislumbra algum método em Donald Trump e na forma como exerce o seu poder. Em vez de analisá-lo por aquilo que demonstra no cargo, sustentam que além de ter mudado os tempos, domina-os e vai ao encontro deles. Dia após dia, um novo pedaço desta teoria cai por terra. Hoje, mais do que nunca.
Se é certo que alguma da política mudou (inegável) radicalmente para pior – the perks of momentary influence that come with the US presidency – e que surgiram outros líderes de estripe parecida no mundo ocidental, parece-me que esse facto não acarreta a solidez estratégica ou duradoura que julgam. O caos nada tem a ver com qualquer ideia maior a médio ou longo prazo e não se pode confundir a ascensão da extrema-direita e o exercício do poder da atual administração americana. Uma coisa completamente diferente é o que adveio da própria eleição de Trump.
A economia que cresce em períodos cíclicos como o de hoje, não chega para esconder as fragilidades do presidente mais desastroso e perigoso da história norte-americana. Aliás, essas nunca estiveram tão expostas através do impeachment e sem retorno possível. Como se não bastasse, esta última manobra que ditou a morte do general iraniano Soleimani em Bagdad. Até ontem, tinham-se poupado em grande parte na política externa, retraindo-se, o que levou muitos a considerar que a bem ou mal, tínhamos uns EUA de índole completamente distinto (já havia sinais com Obama) e mais virado sobre si mesmo no plano das relações internacionais. Apesar de tudo, a guerra comercial com a China sempre foi bem vista tanto pelos republicanos, como pelos democratas americanos.
O mesmo não se passará em relação a este ataque pouco pensado. Além da gravidade pelos milhares de americanos no Iraque e Irão que em território inimigo são deixados à sua sorte, a União Europeia, tratada como tudo menos aliada em relação à Síria, não se deverá manifestar como grande apoiante de um ataque que viola o direito internacional. Rússia? Basta ter ouvido a reação oficial com a forte sustentação do perigo que esta morte acarreta pelo peso de Soleimani no Médio Oriente. China? Nem que se apagasse os últimos anos das relações entre os dois países. Talvez um apatetado radical como Bolsonaro se posicione solidamente ao lado dos EUA, mas esse tem tanto peso internacional hoje como o presidente de Andorra.
Mesmo com uma provável nova eleição em novembro, reforçada através deste ressuscitar da guerra entre o bem e o mal para consumo interno, nada absolverá o tremendo erro histórico que é Trump e que só se tornará mais pesado com o tempo. Cativar ou manobrar eleitores revoltados e frustrados, fanatizando-os, é completamente diferente do exercício do poder depois de o ter feito.
Quantas vezes se retrocedeu tanto na história da América?
Pouco sobrará em termos evolutivos e sabe-se lá se o país, outrora um farol do ocidente, voltará algum dia a ser o que foi antes do atual presidente.
Ao ouvir e ler quem trabalhou ou lidou de perto com Trump e Pence (Bannon, Wolff, e tantos outros), sempre constatei que nada existe para além desse caos. Sobram as cinzas do fogo e a fúria que já só sobrevive sem qualquer causa ou fio condutor digna desse nome. Que outros líderes europeus tal como Macron saibam entender a fragilidade atual da presidência americana, com tendência para adensar-se cada vez mais e que joguem com isso, é um dos pontos cruciais para a afirmação da União Europeia nesta nova década. Uma afirmação tão necessária.
To be political or not to be at all.
Também isso pode ajudar a transformar rapidamente o que alguns veem como o suposto novo mundo, num já de si velho, e cada vez mais frágil e perigoso mundo de Trump.
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