O melhor inimigo
Trump ataca a imprensa e classifica de fake news toda e qualquer reportagem que o desagrade
De tão recorrentes os ataques protagonizados por Donald Trumpcontra a imprensa, corre-se o risco de que passem a ser vistos com naturalidade —e até tolerados— dentro de uma relação conturbada.
Para que não se assimile dessa forma tal hábito do presidente dos EUA, cumpre recriminar de modo enfático a atitude de cassar, por tempo indeterminado, a credencial de acesso à Casa Branca do jornalista Jim Acosta, da rede de televisão CNN, crítica ao governo.
A decisão foi tomada um dia após uma entrevista coletiva em que Acosta perguntou a Trump por que ele considerava uma invasão a entrada no país de imigrantes da América Central; na sequência, o questionou sobre a investigação do suposto elo com a Rússia para favorecê-lo na campanha de 2016.
Irritado, o mandatário chamou o repórter de “pessoa grosseira, horrível” e orientou uma assessora a tirar-lhe o microfone —mais tarde, em nota, a Casa Branca alegou que o jornalista teria destratado a funcionária e isso seria um dos motivos para impedir-lhe a entrada na sede da Presidência.
Pode-se até colocar em discussão a maneira como Acosta expôs suas questões —em tom por demais confrontador, na visão de alguns colegas americanos—, mas em absoluto se justifica cercear-lhe o exercício da profissão.
Seria uma conclusão fácil atribuir o episódio a um rompante do líder republicano, dada a notória incapacidade de lidar com contestações. Entretanto as investidas contra a mídia afiguram-se muito mais um cálculo político bem executado.
Cumpre notar que os veículos de comunicação dos EUA, em sua maioria, tiveram dificuldade de compreender o fenômeno eleitoral que se tornaria Trump —do que ele desde o início tirou proveito.
Primeiro, por sua candidatura não ter sido levada a sério por alguns meios; depois, quando sobreveio a cobertura crítica de sua administração, passou a se dizer perseguido pelo que classifica de fake news —na prática, toda e qualquer reportagem que o desagrade.
Coerente com o que se propôs, elegeu as redes sociais como canal direto com seu eleitorado, nas quais pratica o hobby quase diário de falar mal da imprensa.
Não se trata de coincidência observar o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), adotar a mesma estratégia. Admirador de Trump, segue a cartilha de desqualificar quem o incomoda e se manter em confronto com supostos inimigos.
Lá como cá, cabe ao jornalismo profissional persistir na missão de expor o governante, seja qual for, ao devido escrutínio público.
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