SÃO PAULO
A corrida pela nomeação presidencial do Partido Democrata dos Estados Unidos se configurou no ano passado como a mais diversa já vista: seis mulheres se apresentaram como pré-candidatas. Uma se destacou no grupo: a senadora Elizabeth Warren, que aparecia na frente nas pesquisas.
Alguns meses e uma Super Terça depois, ela desistiu, e a disputa agora se dará entre dois homens brancos de mais de 70 anos: Joe Biden e Bernie Sanders. Resta agora discutir o quanto o fato de ela ser mulher prejudicou sua campanha, em um país que ainda não elegeu uma presidenta.
Warren ganhou no cenário político depois da crise financeira de 2008. Advogada especializada na área de finanças pessoais e falências, ela era uma das defensoras da criação de uma agência de proteção ao consumidor financeiro, causa que ganhou urgência depois que milhões foram lesados por empréstimos inescrupulosos no país.
No governo Obama, ela se tornou czar dessa recém-criada agência, e depois se elegeu senadora por Massachusetts com plataforma similar.
Essa atuação a credenciou a se posicionar como alguém fora do establishment, que defende as pessoas comuns.
Algumas de suas propostas se assemelhavam às do mais radical Bernie Sanders, como saúde pública e universidade grátis para todos, mas sem o socialismo declarado do senador pelo estado de Vermont.
Parte da dificuldade da campanha de Warren pode ser explicado por isso: sua plataforma estava um pouco à esquerda demais para atrair o “centrão” do Partido Democrata a ela, mas também não era disruptiva o suficiente para os grupos mais progressistas, que preferiram Sanders.
Mas a tentativa de Warren de chegar à Casa Branca esbarrou também no mais antigo dos problemas que as candidatas mulheres enfrentam: a elegibilidade. Na hora de imaginar quem enfrentaria o republicano Donald Trump no pleito geral, bateu a dúvida no eleitor democrata, que acabou achando que um homem era mais garantido.
A própria senadora já havia abordado o assunto em campanha: “Se você falar: ‘existe sexismo na campanha’, todos dizem: ‘chorona!’. Se você disser ‘Não, não existe sexismo’, um quaquilhão de mulheres vai pensar: ‘em que planeta você vive?’,” disse Warren.
Como outras candidatas, ela tentou se equilibrar na estreita trave reservada a políticas mulheres: precisam ser duronas, mas não demais, femininas, mas não demais, inteligentes, mas não demais, para não assustar ninguém.
Houve avanços em relação ao tratamento dispensado a ela, se comparado ao que aconteceu a Hillary Clinton em 2016. Pouco se falou na mídia sobre suas roupas, sobre suas canelas ou sobre seu marido, o que é um avanço.
Mas as próprias eleitoras têm dúvidas sobre a viabilidade de uma candidata à Casa Branca: uma pesquisa da CNN em janeiro mostrou que 18% das democratas achavam que uma mulher não conseguiria se eleger, ante 7% dos homens democratas.
Sanders também levantou essa lebre em 2018, dizendo a Warren em uma reunião que não acreditava que uma mulher pudesse ganhar a eleição, segundo relatos publicados pela mídia americana e depois confirmados por ela. O senador nega que tenha dito isso, o que levou a um racha entre os dois.
A opção pragmática do eleitor e da eleitora democrata pode resultar em um candidato com mais chances de derrotar Trump, que certamente não se furtaria a usar todo tipo de argumento sexista contra ela, como fez com Hillary Clinton.
Mas perpetua-se mais uma vez a profecia autorrealizável: enquanto uma mulher não for eleita, haverá dúvidas sobre se uma mulher pode ser eleita, e assim seguem o ovo e a galinha.
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